Ditaduras, democracias e luta de classes
Ditaduras, que sempre existiram, são os sistemas de governo em que o poder é exercido por um indivíduo ─ o ditador ─ ou um grupo de indivíduos, que representa um interesse econômico, ideológico ou militar. As ditaduras sempre se apoiam no poder militar, sem ele não conseguiriam impor sua tirânica prepotência. Um exemplo é a ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985: poderes do legislativo e judiciário foram cassados e agrilhoados; o cidadão perdeu direito à justiça; governos locais eram interventores; os dissidentes foram perseguidos, torturados, mortos e desaparecidos sem julgamento; a imprensa, a mídia, as artes foram censuradas; expoentes da cultura, da arte, das ciências e verdadeiros democratas tiveram de exilar-se no exterior. Na ditadura não existe liberdade nem representatividade: é a vontade do ditador que prevalece, em detrimento da vontade da população.
Democracias são aqueles regimes em que, em tese, o poder emana do povo. Há muitas formas de fazer a vontade do povo chegar aos governantes. No Brasil, vivemos a chamada “democracia representativa”. A população elege, pelo voto direto, seus representantes: são eles os governantes (presidente, governadores, prefeitos) e legisladores (senadores, deputados federais e estaduais, vereadores). Os membros do judiciário são indicados por estes supostos representantes do povo. Os representantes eleitos têm mandato temporário, o que, em teoria, permitiria substituir as más escolhas por outras melhores, terminado o mandato que lhes foi conferido. Mas é garantido o direito de reeleição. Numa democracia consolidada, haveria distribuição equitativa do poder: todos os interesses econômicos, todas as classes sociais, todos os vieses ideológicos estariam representados nas instâncias de governo, e teriam de negociar e procurar consenso para as decisões.
Entre as ditaduras e as democracias, há uma vastidão de formas de governo, que ora mais se aproximam de um lado, ora de outro. Há por exemplo regimes duramente autoritários, implacáveis com oponentes, mas que são largamente apoiados pela maioria da população. Por outro lado, há as democracias em que os eleitos pelo povo na verdade representam os interesses de lobbies nacionais ou estrangeiros, ou ideologias malsãs fomentadas do exterior. Os eleitores, manipulados para serem cidadãos com baixa noção de direitos e capacidade de discernimento, via ensino precário e feroz mídia facciosa, não conseguem, na hora do voto, separar entre os candidatos que realmente vão defender causas coletivas daqueles que são fantoches de interesses corruptos.
Quando se fala de interesse coletivo versus interesse corrupto, está-se falando da “luta de classes”. O conceito existe desde que se inventou a propriedade privada. Mas consolidou-se na Revolução Francesa, no final do século XVIII, quando proletários e burgueses uniram-se para derrubar a monarquia, e ao longo do século XIX, quando da expansão da industrialização e consequentes conflitos de trabalhadores versus proprietários. Há quem denomine a luta de classes de guerra de classes, tal a enormidade de vítimas fruto do embate trabalho versus capital: os moradores de periferia soterrados pelos deslizamentos de terra ou afogados nas inundações; os sepultados pelo rompimento das barragens de rejeito de minério; os assassinados pela guerra civil urbana e violência policial; os infectados pelas condições insalubres de moradias precárias; os doentes que não conseguem atendimento médico adequado; os contaminados pelo uso inescrupuloso de agrotóxicos; os jovens aliciados pelo crime por falta de alternativa...
A luta de classes está presente nas ditaduras e nas democracias. O que torna complicada a união de supostos democratas contra uma ditadura. Pode ser considerado democrata um governante ou um legislador que exerce o jogo do poder para favorecer o interesse econômico do lobby que financia sua campanha? E que tem o ilegítimo direito de votar secreto em decisões parlamentares que afetam diretamente seus eleitores?
Talvez a maneira de distinguir ditadores de democratas seja distinguir entre aqueles que se comprometem ou não em empenhar-se no combate às causas da luta de classes: a exploração desumana do trabalho; a concentração de renda; a submissão ao mercado; a injustiça e exclusão social; o aparato de privilégios e proteção dos proprietários e de sectária condenação dos despossuídos...
Uma autêntica frente democrática será constituída pelos homens públicos que já compreenderam que a luta de classes revela a verdadeira chaga da democracia, e que assumem o sincero compromisso de buscar a justiça e a paz social.