SEM LENÇO E SEM DOCUMENTO
Nosso cérebro é como uma placa de circuito impresso. Tudo nele está ligado. Lembro-me que nos anos sessenta era moda na música e na literatura o tema do pensamento desconectado. Influência das drogas alucinógenas. LSD, cocaína, maconha, etc. Beetles, Rolling Stones, Bob Dylan, Alan Ginsberg, Peter Kerouack, Janis Joplin e outros tantos artistas fizeram carreira nessa arte. Caetano Veloso bolou uma canção que misturava guerras com noticias de jornais, espaçonaves, Coca-Cola, Claudia Cardinale, casamento, TV, para falar da preguiça baianista e a brejeirice macunaímica de um povo que viaja pela vida sem lenço e sem documento.
Foram duas mocinhas vestidas de senhoras que me despertaram essas lembranças. Em pleno domingo, quando a praça atrás do Habibs assume aquele ar parisiense (com pessoas fazendo piquenique e lendo livros na grama) as duas garotas, bonitinhas e meigas, simpáticas até á medula, com saias abaixo do tornozelo, cabelos compridos quase chegando na cintura, blusas fechadas até o pescoço, naquele calor das dez horas da manhã, estavam lá, postadas em frente de uma barraquinha montada na praça, vendendo revistas religiosas e fazendo pregação para quem se dava o luxo de parar e ouvir.
“O Salvador está chegando”, diziam elas. Quase olhei para trás para ver se por acaso o Lula ou o Bolsonaro não estavam vindo atrás de mim, mas não quero ser irônico. Foi aí que me bateu na cabeça o quanto nossos pensamentos podem ser desconexos, pois logo pensei que para a gente acreditar em um salvador era preciso primeiro descobrir se existe uma alma para ser salva; e depois dessa descoberta ter certeza de que ela merece essa graça. E depois disso tudo ainda descobrir que tipo de qualidades e personalidade teria que ter esse salvador para que a gente acreditasse nele sem desconfiar. Tantos já vieram e já se foram e a humanidade parece cada dia mais perdida. No Brasil então...
As mocinhas eram da seita Testemunhas de Jeová. Tenho simpatia por essa gente desde que descobri que junto com judeus, ciganos e maçons, eles foram um dos grupos perseguidos pelos nazistas. Logo me veio á cabeça que o nosso presidente, ao invés de estar trabalhando para aprovar as reformas necessárias para alavancar a combalida economia do país, fica postando asneiras nas redes sociais e mandando o seu ministro da economia contar mentiras na mídia oficial. E conseguiu finalmente nomer o seu ministro "terrivelmente evangélico.". As Testemunhas de Jeová insistem no seu mantra: ”O Salvador está chegando”. Claro, não é do Lula nem do Messias Bolsonaro que elas estão falando. Um está viajando pelo país e pelo exterior tentando convencer as pessoas que ele não é o ladrão que dizem. O outro está em Brasília, gerando mais atrito do que luz. Está soprando um ventinho gostoso. Nele flutua meu pensamento sem lenço e sem documento. Como o povo brasileiro, que continua sem ter uma coisa nem outra.