Teoria da conspiração ou servidão?

Em novembro de 2021 foi divulgada entrevista com John Kiriakou, ex-agente da CIA, com muitas denúncias sobre a agência estadunidense. Uma delas, a declaração de que a colaboração secreta entre o governo dos EUA, a Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro é um excelente exemplo de interferência do Tio Sam em outros países, visando neles instalar governos que apóiem a imperialista agenda americana. Segundo o ex-agente, isso não é uma teoria da conspiração, é uma realidade. Antes, os áudios revelados pela “Vaza Jato” em 2019 já mencionavam que os procuradores da fraudulenta operação Lava Jato atribuíam à CIA o “presente” da prisão do ex-presidente Lula (ver o livro “Vaza Jato – os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil”, de Letícia Duarte, Mórula Editorial, 2021).

Kiriakou é um de muitos protagonistas que têm feito contundentes revelações sobre a nefasta ação dos EUA visando preservar seu papel de onipotência mundial, iniciado com a explosão das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki e consolidado com o fim da União Soviética e da guerra fria. Então por qual motivo, entre os cidadãos dos países vítimas da sabotagem estadunidense, estas denúncias ainda são vistas como fantasias inverossímeis?

Antes de Kiriakou, John Perkins, um “consultor econômico” internacional, revelou os esquemas de sabotagem de governos indesejáveis no livro “Confissões de um assassino econômico” (Cultrix, 2005), atualizadas no livro “Novas confissões de um assassino econômico” (Cultrix, 2018). Perkins revela como os assassinos econômicos agem para estrangular economicamente os países e seus governos, submetendo-os aos interesses estadunidenses. E como, caso não sejam bem sucedidos, entram em cena os “chacais”, os assassinos de fato.

Em 2013, o estadunidense Edward Snowden, ex-analista de sistemas da CIA e NSA, revelou aos jornais detalhes do sistema de vigilância global que os EUA exercem secretamente em todo o mundo. Desde então Snowden passou a ser caçado e ameaçado de morte, até encontrar exílio na Rússia. Seu périplo é descrito nos livros “Sem lugar para se esconder” (Glenn Greenwald, Editora Primeira Pessoa, 2014) e “Eterna vigilância” (E. Snowdem, Editora Planeta, 2019).

Há também as revelações do jornalista australiano fundador do sítio “WeakLeaks”, Julian Assenge, atualmente encarcerado em Londres por ter divulgado, desde 2006, documentos secretos sobretudo sobre a ação dos EUA em países da África e Ásia. O “WeakLeaks” deu origem a livros e ao filme “O quinto poder” (direção de Bill Condon, 2013).

Em 1996 o jornalista estadunidense Gary Webb publicou uma série de artigos sob o título Dark alliance (aliança obscura). Em 1999 reuniu-os no livro denominado “A aliança obscura: a CIA, os contras e a explosão da cocaína e do crack” (tradução do título em inglês). Gary Webb foi encontrado morto em sua casa em 2004, “suicidado” com dois tiros na cabeça! O livro deu origem ao filme “O mensageiro” (direção de Michael Cuesta, 2014). Mais recentemente, o filme “Feito na América” (direção de Doug Liman, 2017) conta a história de traficante recrutado pela CIA, que remete às denúncias de Webb sobre o tráfico ilegal de drogas promovido pela Agência para financiar guerrilhas de oposição a governos eleitos na América Central, não submissos aos EUA.

Há ainda os livros do cientista político e historiador brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira, repletos de farta documentação, que mostram como funciona o imperialismo na atualidade: “A segunda guerra fria - geopolítica e dimensão estratégica dos estados Unidos” (2013, Editora Civilização Brasileira) e “A desordem mundial – o espectro da total dominação” (2016, Editora Civilização Brasileira).

Com tantas revelações documentadas, por qual motivo muitos ainda acreditam que os EUA sejam a pátria da liberdade, da justiça e dos direitos humanos? Será a força da propaganda e da doutrinação, que vai desde a produção hollywoodiana até o controle e as mentiras midiáticas, passando pela indústria editorial? Será o “complexo de vira-lata” que ainda acomete boa parte dos povos explorados do mundo? Será o comodismo entranhado na natureza humana, que faz preferir a calmaria da submissão à turbulência da contestação? Será o secreto ou declarado desejo de fazer parte da elite que usufrui os privilégios da submissão de povos e países? Será a ignorância e a alienação que fazem crer que a exploração não existe? Será uma soma disso tudo e ainda mais outras razões?

A superação das desigualdades e injustiças do mundo atual depende dos injustiçados e explorados tomarem consciência de que o são, e assim indignar-se, e afinal decidirem organizar-se e lutar. Não serão os privilegiados e os alienados que vão engajar-se nas inadiáveis transformações.

A tarefa então é descobrir o meio de neutralizar tudo aquilo que nos faz preferir o comodismo, a servidão e a crença que tudo não passa de teoria da conspiração.