Da crise hídrica à barbárie

Vários temas têm dominado o noticiário brasileiro nos últimos dias: a crise hídrica e a ameaça de apagão; as sonegadas manifestações de indígenas pela demarcação de suas terras, invadidas por grileiros, madeireiros e garimpeiros; o aumento do preço dos combustíveis e alimentos; a crise entre os três poderes da República; a incitação à compra de armas no lugar de feijão; as declarações transformando os resultados das próximas eleições em ameaças de morte ou golpe; a família do presidente cada vez mais atolada em denúncias e ostentando riqueza incompatível; Araçatuba feita refém de uma quadrilha melhor armada e organizada que a polícia; o aumento do número de mortes violentas no país; o contínuo menosprezo com a pandemia e suas vítimas...

A alegada crise hídrica é um tema muito conveniente para um desgoverno que não sabe, ou não quer, administrar. Repetida como é na mídia, serve para convencer que a população tem de pagar mais caro pela energia. Um jeito de mal remendar o rombo das finanças do país, fruto de um indisfarçável pandemônio econômico. E serve também para colocar em questão o estratégico sistema energético brasileiro, pretexto preparando-o para a definitiva privatização.

A crise hídrica é diretamente ligada à Amazônia e à demanda dos povos indígenas pela demarcação de suas terras. Além da crucial questão humanitária, a preservação da Amazônia e dos povos que nela vivem em harmonia com a mata, remete às chuvas que impedem que o Centro-Oeste, o Sul e o Sudeste do Brasil tornem-se desertos, como acontece nas mesmas latitudes em todas as terras do mundo. É a associação de fatores como a Amazônia, os Andes e as correntes de vento que originam os “rios voadores”, que fazem com que a umidade da floresta vá irrigar o restante do país. Empatar a proteção da Amazônia e dos povos indígenas é expor o Brasil ao risco de uma crise climática catastrófica, capaz de destruir o país com mais eficiência que um ataque nuclear. Não enxergar e não reconhecer isto é de uma ignorância e uma irresponsabilidade só imagináveis em um psicopata, imbuído do propósito de ferir de morte o sonho de pátria e soberania nacional. É bem possível que um governo de verdade que suceda o atual desgoverno consiga corrigir as perversidades rumo ao retrocesso democrático. Mas conseguiremos recuperar a Amazônia devastada?

Os insuportáveis preços dos combustíveis, gás e alimentos básicos são outro sinal de incompetência ou deliberado intuito de favorecer o deus mercado, em detrimento das necessidades da população. O preço dos combustíveis agora é equiparado ao preço imposto por cartel transnacional, que passou a controlar o refino e a distribuição no Brasil; isso apesar de termos alcançado o papel de grandes exportadores de petróleo cru. Com o país à deriva e desacreditado, sobrevém a fuga de investimentos; o real é desvalorizado frente ao dólar, combustíveis e alimentos só fazem encarecer, entregues à sanha do mercado internacional, diante da ausência de políticas nacionais de preços que protejam a população.

As constantes ameaças ao poder judiciário, a compra de votos do poder legislativo, o namoro com as forças armadas e policiais, o incentivo ao armamento da população, a glorificação de milicianos, só vêm comprovar a volúpia ditatorial do desgoverno atual, e a vacilação e fragilidade dos outros poderes que poderiam contê-lo. A jovem e imperfeita democracia brasileira está sofrendo um ataque sem precedentes, o qual, em conjunto com as outras ações, parece destinar-se a sabotar definitivamente o Brasil soberano.

A incitação ao armamento da população, que deve ser entendido como armamento das milícias e dos incivilizados ainda não armados, agrava o ataque ao frágil equilíbrio social que vivemos. A surpreendente violência dos assaltantes que fizeram Araçatuba refém, o enorme aumento do número de mortes violentas no país, o desvirtuamento das forças armadas e da polícia, desviadas para questões políticas e não para a garantia da soberania e da segurança, vêm mostrar que a intenção de implantar a barbárie para desmantelar o que foi construído de civilização no Brasil está funcionando.

Outras evidências da barbárie sendo banalizada entre nós são as ameaças às eleições e ao seu resultado, as incitações à truculência e ao golpe, as revelações sobre as desavergonhadas ostentações de riqueza indevida da família presidencial, o desprezo, a negligência, a corrupção, as mentiras com a pandemia, seu enfrentamento, suas vítimas e familiares.

O que mais será preciso para convencer que o país está entregue a um desgoverno que parece ter como único objetivo lançá-lo na barbárie e no poço do colapso ambiental, econômico, político, social e civilizatório? Este colapso é encomenda dos poderosos impérios do norte, que são quem de fato entronizou a atual família presidencial no poder. Com o consentimento dos outros poderes e do povo brasileiro.

Até quando?