ALÉM DO AQUI E AGORA

Em matéria da Folha de São Paulo de 02/jan/2020 falou-se do centenário do escritor russo de ficção científica, Isac Asimov, autor das Três Leis da Robótica que pautam até hoje, a discussão em torno da AI (Inteligência Artificial). A primeira lei determina que um robô não pode ferir um humano ou permitir que este sofra algum dano ; a segunda lei diz que os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei ; a terceira lei diz que um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores. Por incrível que pareça, estas leis um pouco vagas vigoram até hoje porque não existe um Código de Ética para o uso das AI.

Os filmes de ficção cientifica, no século XX, não se cansavam de apontar as probabilidades de os robôs poderem prejudicar os humanos. São inúmeras as referências de clássicos como: 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968, Stanley Kubrick); Blade Runner – Caçador de Androides (1982, Ridley Scott); Matrix (1999, irmãs Wachowski). Estes clássicos enfocam os problemas a serem enfrentados a partir do avanço tecnológico futuro em que a humanidade vai se deparar com sociedades distópicas.

Na literatura com o Admirável Mundo Novo (1932) e a Ilha (1962), ambos os romances de Aldous Huxley. O primeiro projeta-se no ano de 2540 (séc. XXVI) em que mudanças profundas levam ao controle dos indivíduos através da tecnologia reprodutiva e da manipulação psicológica. Um outro romancista bem conhecido é George Orwell com fábulas sobre o poder em qualquer sistema criado pelos homens, com a Revolução dos Bichos (1945) e 1984 (publicado em 1949).

Tanto os filmes como os romances são antevisões do que poderemos enfrentar neste século e subsequentes. O filósofo da ciência Alexey Dodsworth diz que os robôs já não são mais programados com os “imperativos éticos” propostos por Asimov. E alerta para a elaboração de um novo Código de Ética para controlar a AI, caso contrário a humanidade irá enfrentar uma das prováveis ameaças à sua existência, já no séc. XXI. Essas ameaças são embasadas no “Machine Learning” (capacidade do computador aprender sem ser programado).

O marketing em torno da tecnologia se sustenta pela esperança de que a gradativa substituição do trabalho braçal pela máquina irá ampliar o tempo de lazer e do ócio, metas a serem alcançadas, e que já se realizam nos países avançados. Mas essas perspectivas não são viáveis nos países atrasados e com mão de obra farta e barata. Entretanto essa corrida para consumir engenhocas faz parte do interesse de grupos econômicos que lidam com as sociedades de consumo em torno do planeta.

Os meios de comunicação de massa e a indústria cultural com os mais diferentes equipamentos que se popularizam, espalham a inviabilidade de alterar os rumos da automação. Mas como chegar a esse mundo possível atingindo todos os lugares? Como o capitalismo não quer saber da distribuição mais equitativa das riquezas, a saída encontrada foi a busca de teorias demográficas e do avanço da medicina no controle do corpo humano.

Na década de 1940, com o pós-guerra já se pensava no controle futuro da natalidade diante da explosão demográfica (baby boom) e da relativa estabilidade do capitalismo (1945- 1975). Nas décadas de 1960 e 1970 notava-se a presença dos Estados Unidos na América Latina com um programa de controle populacional rígido, atuando até com propostas de “esterilização em massa”. A intenção do imperialismo era conter a expansão demográfica que poderia aumentar os problemas estruturais e impedir o desenvolvimento econômico.

Nesse período a presença das políticas americanas para o controle do nascimento (birth control) no Brasil, foram viabilizadas pela BEMFAM (Sociedade Civil do Bem-Estar Familiar) filiando-se em 1967 à Internacional Parenthood Federation (IPPF). Voltou-se a discutir sobre as Leis de Malthus e o controle da saúde da mulher com a Bemfam atuando nas favelas e periferias da cidade do Rio, convencendo as famílias pobres à ligação de Trompas, DIU e pílulas anticoncepcionais. Essas medidas que poderiam ter levado à esterilização em massa de mulheres não tiveram os efeitos desejados. Houve pressões políticas e movimentos sociais que forçaram a uma troca das propostas mais agressivas de controle da natalidade para o planejamento familiar. A Constituição brasileira de 1988 em seu artigo 226 optou pelo planejamento familiar, vedando as formas coercitivas por parte de instituições oficiais e privadas.

Essas conjunturas históricas revelam a natureza e extensão do controle da natalidade por parte de políticas públicas, que tentam conter a grande ameaça dos excluídos, frente aos benefícios materiais que são oferecidos para o consumo de minorias privilegiadas. A conjuntura atual cercada dos aparelhos tecnológicos voltados para os mais exigentes consumidores, não poderia deixar de pensar em formas de controle. Não é por acaso que as teorias de Malthus e as teorias de Darwin voltam a serem aplicadas por governos de extrema direita na primeira metade do século XXI ao lidar com a pandemia da Covid 19.

A reviravolta com um vírus mortal que atinge a humanidade é bem adequada às múltiplas ofertas do campo tecnológico. Neste século surge a Revolução/Geração 4.0 com ênfase na automação e robotização. Esses benefícios vão abrir o mercado de consumo para as altas e médias rendas. Quanto mais os anos pandêmicos insistirem em manter o vírus, iremos ter um controle populacional “natural” com a morte de milhões de pessoas no mundo, ocasionando a tendência ao “darwinismo social”. Os sobreviventes com poder aquisitivo para ter acesso ao consumo seleto de produtos “hightech”, oferecidos pelas gerações 4.0 e 5.0, ficarão à mercê da concorrência entre China, Estados Unidos e Rússia.

A Geração 4.0 até agora tem se voltado mais para a guerra do que para a paz, pois o uso de robôs na internet aumentou o volume das “fakenews”, fato que permitiu criar o conceito de “Ditadura Virtual”. É só ver a manipulação das preferências eleitorais nas eleições de 2018, através das redes sociais, que direcionavam o voto do eleitorado; e as guerras recentes na Eurásia marcando a morte do general iraniano Soulenami, sob o ataque dos “drones” no Iraque em 07 de janeiro de 2020. É costumeiro valorizar a tecnologia como um benefício para o homem, mas pode trazer o mal. Tudo vai depender de como caminha a humanidade. Quais os valores predominantes? Como a sociedade está estruturada?

Com este enfoque é que vamos avaliar a geração 5.0. Pela propaganda há intenção de reforçar a oferta de benefícios sociais. Fala em ampliar a AI, a LoT (Internet das Coisas) centrada nas residências e na circulação dos transportes, e a expansão da robótica. Uma hipótese de seus efeitos é que poderá afunilar a defasagem entre países ricos e países pobres, firmando a distopia, com a pá de cal na evolução equitativa do bem-estar das sociedades.

Entre sucessivas e curtas crises cíclicas do sistema, ela se prolonga desde 2008 e, agora com a pandemia soma-se o processo de destruição acentuado do meio ambiente que poderá acabar com a vida no planeta. Em 09 de agosto de 2021 foi anunciado o Relatório da ONU sobre o clima na terra, onde já se nota que não será possível consertar os estragos na natureza, só nos resta deter o avanço do desiquilíbrio ambiental. Pela primeira vez a ONU reconheceu que o homem teve papel central na crise climática e, dá o ultimato, com o prazo até a próxima década – 2030 – decisivo para diminuir o problema.

Em uma perspectiva de catástrofes sucessivas, na natureza, crescem os prognósticos de Final dos Tempos. Nesse cenário, reaparecem grupos religiosos com as teses milenaristas e apocalípticas para interpretar esses sinais de desiquilíbrio socioambiental. Com suas teorias assentadas no passado afirmam que acontecimentos funestos são necessários para a depuração espiritual na espera do “novo reino”, da “nova vida”. Multiplicam-se os grupos fundamentalistas, como os evangélicos neopentecostais e as mais diversas seitas.

No mundo ocidental, esses acontecimentos acumulados podem ser próximos ao filme Matrix, onde o poder instituído cria um sistema inteligente e artificial que manipula a mente das pessoas. Esta ficção científica está próxima do cotidiano do Vale do Silício, onde os técnicos cultuam uma espécie de “religião das máquinas”. Segundo Jaron Lanier (2020) “simulamos mundos através da realidade virtual, games, realidade aumentada, construímos mundo simulados dentro de mundos simulados”.

Entretanto, no mundo oriental o processo histórico caminha em direção aos projetos integrados de infraestrutura, tecnologia 5.0 e a mudança de paradigma observada nas propostas de união euroasiática, sob a direção de China, Rússia, Irã. Suas propostas objetivam a construção do gasoduto da Turquia até à Europa e, as novas Rotas da Seda unindo os países da Eurásia. Tudo leva a crer que a hegemonia norte-americana no mundo está ameaçada. Vamos parar por aqui, propondo uma reflexão sobre os rumos do planeta diante de tantos dilemas. Façam as apostas. Lancem os dados.

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 31/08/2021
Código do texto: T7332596
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