Gente chata
Tenho 63 anos e cresci vendo uma negra como âncora do programa Fantástico (Glória Maria).
Cresci vendo um nordestino, um negro, um galã de circo e um caipirinha (Didi, Mussum, Dedé e Zacarias) formando um dos maiores grupos de humor do Brasil, os trapalhões, fazendo piadas e críticas ao sistema que hoje jamais seriam aceitas pela sociedade, como homossexualidade e problemas de dependência química com o álcool.
Também vi um Grupo heterogêneo como o Casseta e Planeta, que tinha negro, branco e homossexual, fazendo piadas de mesmas temáticas que os trapalhões, serem referência de humor, detalhe, ambos na Globo.
Na adolescência acompanhei o melhor humorista do Brasil, Chico Anysio e seus personagens negros, brancos, País de Santo, bichas, etc, entrando em nossas casas uma dia por semana para nos trazer alegria.
Amadureci vendo um travesti participando de todos os programas da família Brasileira, sem nenhum tipo de problema (Rogeria) e gargalhando com um negro gay (Jorge Lafond) um dos grandes nomes do humor nacional.
Espichei assistindo uma transexual ser padrão de beleza feminina e capa de revista masculina (Roberta Close), bem como me deliciei diante de outro gay, com roupas não ortodoxas, tornar-se um dos maiores cantores e voz do Brasil (Ney Matogrosso).
Aliás, por falar em música, gays talentosos permearam o mundo da minha maturidade, (naquela época não era questão sexual, e sim ter talento) como Cazuza e Renato Russo, Bethania, Marina e muitos outros.
Quase todos meus ídolos do esporte são negros. Pluralizei vendo um negro como maior ídolo desse país (Pelé) e uma das figuras mais populares do Mundo.
Testemunhei um cantor gago, ex garçom, se tornar a voz romântica mais famosa desse país (Nelson Gonçalves).
Por falar em Nelson, vi um outro, anão, fazer tanto sucesso quanto. (Nelson Ned).
Presenciei dois homens gordos, zoando suas próprias gorduras e se tornando dois dos maiores apresentadores e mais bem pagos do país,(Faustão e Jô Soares).
Observei com respeito e atenção um homossexual extremamente requintado, inteligente, com programas para a família brasileira ser amado por muitos e ainda ter virado um dos políticos mais bem votados desse país (Clodovil), explicando que a sexualidade é um direito de cada um, e que isso não tem nada a ver com o seu valor enquanto Ser humano.
Avolumei ouvindo músicas como a do Chacrinha que dizia: MARIA SAPATÃO, ou Nega do Cabelo Duro, de Paulo Vitor Bacelar / Luiz Caldas e Joga pedra na Geni, de C. Buarque.
Aprendi que a melhor maneira de defender seus direitos é abertamente, expressando-os de forma educada e inteligente.
Entendendi que preconceitos significam estupidez, pois toda a minha formação se deu com bons exemplos de representantes, de todas as classes, em um país que normalizou a presença de todos em programas de televisão, onde tudo era discutido sem qualquer pudor.
Todo o meu período de formação inicial deu-me capacidade de entender o que era liberdade de expressão.
Infelizmente, hoje, com esse mimimi insuportável, não temos mais liberdade de expressão.
Tudo que citei, antes normal, hoje seria execrado por essa nova sociedade imbecilizada.
Essa dita “resistência” do politicamente correto luta contra “monstros” e "rótulos" que ela mesma criou.
Tudo vem sendo conotado como proibido e preconceituoso, ou politicamente incorreto.
Gente chata