Berço esplêndido
Era um país imenso, uma promessa, com riquezas não encontradas alhures com tanta fartura: água abundante, solos agricultáveis, minérios, exuberante biodiversidade, mares piscosos, clima amigável e uma insolação que, transformada, o faria campeão mundial de energia limpa. Seu povo, heterogêneo, falava a mesma língua, etnias e culturas tinham-se mesclado numa identidade mestiça. Diferenças religiosas e ideológicas conviviam sem conflitos radicais. Embora latentes.
Talvez pela prolongada escravidão, ou pelo contumaz extermínio dos nativos, ou pelo secular papel de colônia explorada, não conseguia emancipar-se e firmar-se como nação. Seu povo padecia da frouxidão de propósito. Até que dois eventos concomitantes fizeram o então gigante adormecido aparecer aos olhos do mundo: foi eleito um governo engajado em promover a emancipação do povo simples e da nação, e foram descobertas reservas petrolíferas colossais. O país continente, ousando sonhar tornar-se nação, com reservas de petróleo e um governo determinado à liberdade, virou uma afronta, um intruso para uma implacável divisão mundial de riqueza e poder. Era premente detê-lo.
Uma guerra? Outras já se travavam, mais uma seria custosa e desgastante. Como, então, deter o irreverente pretendente a protagonista mundial? As inteligências dos impérios ameaçados puseram-se a arquitetar o plano que desencadearia uma guerra interna no pretensioso insurgente. Usaram-se suas conhecidas fraquezas: o débil sentimento pátrio, a educação incipiente, os latentes preconceitos, a fragilidade das instituições, a cupidez dos homens públicos.
Massacres midiáticos transformaram dissimulados ressentimentos em ódio, extravasado em paixões político-ideológicas, religiosas, étnicas, culturais, regionais, sócio-econômicas e até na rivalidade dos times de futebol preferidos. O povo que acreditava ser alegre e amistoso descobriu seu traço mais rancoroso e odiento.
Estava preparado o caminho para a guerra sem exércitos. Insuflou-se o logro que a corrupção no país era a pior do mundo. Foi o ingrediente final para destruir o governo que queria emancipar o país. E para dividir e enraivecer o povo, tornado irracional pela ignorância e pelo açulado ódio. Sofisticada tecnologia internacional, usando a mídia para manipulação de massa, a cuidadosa escolha de um títere com uma surpreendente sociopatia e capacidade de aglutinar e mobilizar assemelhados, um atentado forjado no momento mais agudo de uma eleição, levaram ao poder maior, do agora desperto e odiento gigante, um demente. O cavalo de troia idealizado no exterior para sabotar e sepultar as pretensões do gigante de tornar-se o protagonista que, naturalmente, seria destinado a ser.
As hegemônicas potências mundiais não tolerariam tal pretensão. Os alimentos, os minérios, o petróleo desse presunçoso quintal continuariam a ser explorados a preços aviltados, como historicamente o tinham sido.
Às colônias não é dado tornarem-se livres.