As coisas podem piorar
Imaginem uma criança de 7 anos, com 3 irmãs mais novas, vendo a família “fugir” da capital mineira para uma cidadezinha com menos de 4 mil habitantes, porque o pai – uma pessoa bondosa, carinhosa e muito responsável – era perseguido pelo regime militar. Ver um tio ser preso e torturado, a avó, tias e a mãe desesperadas ao ouvir a palavra ditadura.
E agora depois de 48 anos ouvir dizer que a ditadura não existiu, que as pessoas têm saudades daquela época, ou que corremos o iminente perigo de voltarmos a ser presididos por militares...
Graças a Deus, por um lado, comparar a ditadura com o governo atual sugere alguma semelhança entre as duas experiências: o protagonismo político dos militares. Mas, a semelhança acaba aí.
O protagonismo não é o mesmo. O vínculo das forças armadas com o governo não é o mesmo e, principalmente, o projeto de desenvolvimento não é o mesmo.
Longe de mim querer defender a ditadura, logo eu que a senti na pele. Mas observando os fatos, a agenda desenvolvimentista do presidente hoje é muito diferente da ditadura militar. As Usinas Nucleares de Angra 1 e Angra 2 foram criadas durante a ditadura. Em 1968, fizeram a reforma universitária. Em 1975, promulgaram o I Plano Nacional de Pós-Graduação, que fundou a estrutura de pesquisa científica e inovação tecnológica.
O Chefe do Estado atual vem fazendo exatamente o contrário: as riquezas nacionais estão sendo entregues a preço da banana, utilizadas como moeda de troca em uma política externa submissa. Está em curso um projeto de destruição da universidade pública;
Se a ditadura teve um projeto de desenvolvimento, o governo Bolsonaro é caracterizado por entregar o Brasil “aos porcos”. Se a ditadura foi comandada por generais formados na Escola Superior de Guerra, o governo Bolsonaro é chefiado por um capitão e seus comparsas, com um passado no exército não de um exímio militar.
Peço desculpas por parecer que elogio a ditadura – um regime responsável pelas torturas, assassinatos e muito sofrimento. Só quero mostrar que da comparação entre a ditadura e o governo atual... as coisas sempre podem piorar.
Nália Lacerda Viana, 24 de fevereiro de 2021