O CASO DO DEPUTADO DANIEL SILVEIRA

Prólogo

"A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, DURANTE O DIA (grifei), por determinação judicial.” – (Vide Art. 5º, XI, da CF/88);

Não deve existir (não deverá haver) expedição de mandado de prisão para crimes em flagrante (a flagrância já autoriza a prisão), ou um ou outro, os dois ao mesmo tempo NÃO PODE (assemelha-se ao enxugar gelo). Esse "achismo" só advém da cabeça de alguém rancoroso, ressentido, abusivo e/ou vingativo que não conhece minimamente as regras processuais penais brasileiras;

Não existe (não deverá haver) prisão de deputado federal sem autorização da Câmara, a não ser em flagrante delito de crime inafiançável.

A QUEM INTERESSA ESTE ARTIGO?

Este artigo interessa muito aos estudantes de direito e a todas as pessoas curiosas e autodidatas iguais a mim. Preliminarmente, já saliento que este texto não visa discutir se o deputado Daniel Silveira deve ser punido por comprovado descontrole emocional, por haver pensado bobagem, dizendo besteiras, haver se exaltado e gravado um vídeo ofendendo a Egrégia Corte – (STF).

Por ser advogado, neste escrito eu discuto se houve legalidade na decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Morais e, consequentemente, na prisão em flagrante do parlamentar. Com relação a permanecer preso, processado e julgado, ser ou não cassado dependerá da votação e aprovação de 257 parlamentares (seus pares).

O DEFENSOR VOLUNTÁRIO

Espero não ser apedrejado por este artigo! Explico sem a pretensão de querer me justificar. Não me foi concedida procuração pública nem particular para defender um boçal qualquer que se escuda nas prerrogativas funcionais para ofender a quem quiser e de acordo com suas (dele) convicções ideológicas.

O mal-educado deputado errou e se exaltou, mas minha análise não discute esse mérito até porque não tenho interesse para entrar nessa pendenga tão desgastante para tantos outros que têm o dever de emitir um juízo de valor capaz de solucionar o conflito de interesses entre os envolvidos.

A VOZ DA CONSTITUIÇÃO — NOSSA LEI MAIOR

Todo estudante de direito sabe ou pelo menos deveria saber que: O art. 53, § 2º da Constituição Federal preestabelece que um deputado federal, no exercício do seu mandato, só pode ser preso em flagrante delito inafiançável. Ou seja, esse parlamentar só pode ser preso em flagrante se o crime que ele estiver cometendo NÃO SEJA possível o arbitramento de fiança.

Já há algum tempo as decisões monocráticas e verbais de autoridades constituídas têm tornado o ar político jurídico, que deveria ser saudável, irrespirável. O caso do exaltado e malcriado deputado Daniel Silveira é apenas mais um início de uma pendenga ou briga de egos que a sociedade, anestesiada e mais preocupada com as políticas públicas de saúde, segurança, moradia, emprego e educação – não necessariamente nessa ordem – assiste atônita.

BREVE RESUMO DO OCORRIDO

O deputado federal Daniel Silveira, no dia 16 de fevereiro de 2021, divulgou um vídeo no qual ele defendeu medidas inconstitucionais e proferiu ofensas gravíssimas aos atuais Ministros do STF. Claro que Daniel se exaltou. Disso não temos nenhuma dúvida, mas os defensores da pena de morte ou prisão perpétua também defendem essas medidas inconstitucionais e nem por isso são presos ARBITRARIAMENTE e considerados em flagrante delito por crimes inafiançáveis.

As decisões monocráticas, como foi nesse caso do deputado Daniel, derrubam todo e qualquer tipo de conteúdo em autos processuais, de inquéritos e, sempre prevalecendo a vontade pessoal de algum Ministro. Isso não é certo, mas todos concordamos que as ofensas do Daniel contra os componentes do STF foram gravíssimas.

Houve desrespeito e inaceitável antiético palavreado, em vídeo, ofensivo aos ministros da Suprema Corte (STF), em especial: Às autoridades Edson Fachin, Alexandre de Morais, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Melo e Dias Toffoli.

Com a divulgação do vídeo e com o gigantismo da ofensa proferida, o Ministro Alexandre de Morais expediu um mandado declarando a prisão em flagrante do deputado. Daniel Silveira foi preso na noite do dia 16 pela Polícia Federal e a mídia estava lá para conferir e alardear.

EU TENHO MINHA CONVICÇÃO

Eu não tenho dúvida e na conclusão deste texto escrevo meu convencimento, mas vou acompanhar o desenrolar desse imbróglio porque sou um autodidata intimorato, recalcitrante e interessado em confusões jurídicas. A prisão do parlamentar Daniel Silveira teria sido legal? Ela obedeceu aos requisitos previstos no Código de Processo Penal e na Constituição Federal?

Ora, Daniel Silveira, como é de conhecimento público, é deputado e por esse motivo, possui imunidade parlamentar. A imunidade parlamentar garante que os membros do Parlamento brasileiro não podem ser presos em decorrência de suas opiniões, palavras ou votos.

Contudo, antes de discutimos sobre a prisão em flagrante do deputado afobado, acredito ser interessante tratarmos sobre quais crimes é cabível o arbitramento de fiança ou não.

AS PRERROGATIVAS DE UM PARLAMENTAR

A nossa Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, determina no inciso XLIII do seu art. 5º, que serão considerados como crimes inafiançáveis a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos (previstos na Lei 8.072/90).

Por mais que as palavras do parlamentar Daniel hajam sido uma afronta ao estado democrático de direito e a separação dos três poderes, ele não estava cometendo um crime inafiançável. Visto que, os crimes que lhe foram imputados não estão no rol definido pela Constituição Federal e pela Lei de Crimes Hediondos. O exaltado e emocionado Daniel cometeu crimes passiveis de fiança!

EXPLICANDO A FLAGRÂNCIA

Nos crimes comuns, para uma pessoa ser presa em flagrante delito, sua prisão deve ser fundamentada em alguma das hipóteses do art. 302 do Código de Processo Penal:

Art. 302. – CPP: Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Na sua decisão o Ministro Alexandre de Morais, do STF, alega que o deputado não cometeu um crime comum e sim um crime permanente. Ora, em crimes permanentes, o agente pode ser preso a qualquer momento, pois o crime se perpétua no tempo, ele dura até a ação criminosa acabar. Exemplo: O crime de sequestro. Nesse caso o criminoso poderá ser preso, a qualquer momento, enquanto mantiver a vítima sob a sua custódia.

Daniel Silveira NÃO FOI flagrado gravando o vídeo ofensivo às autoridades. Quando o ministro Alexandre de Morais teve conhecimento do fato, o crime já havia se consumado, não havendo possibilidade de falar em flagrante, nem de crime comum e muito menos de crime permanente.

PERGUNTAS PARA A REFLEXÃO DOS INTERESSADOS

Daniel Silveira cometeu um crime em flagrante? Salvo outro entendimento, outra respeitável compreensão, eis o ocorrido: Daniel foi preso e considerado em flagrante delito na noite do dia 16 de fevereiro de 2021, logo após o Ministro Alexandre de Morais tomar conhecimento do fato criminoso.

É tempo de eu perguntar: Os crimes digitais (cometidos por meio da Internet) podem ser declarados como crimes permanentes? Melhor pergunto: Os crimes digitais que digam respeito à honra da vítima são crimes permanentes?

Seja parlamentar ou outro alguém que postou um vídeo ofensivo contra autoridades ou pessoas quaisquer, nas redes sociais, pode ser preso a qualquer momento, enquanto esse vídeo estiver no ar? Uma pessoa que postou um vídeo difamatório há um, dois ou três anos e esse vídeo continua no ar, pode ser presa nos dias atuais?

Calma... Não respondam no calor da emoção ou exaltação dos ânimos. Reflitam com calma. Não respondam agora. Não se precipitem! Não se deixem levar pelo "ouvi dizer" e tampouco concordem comigo de chofre porque vocês sabem que nós advogados somos treinados para persuadir, mas vamos todos acompanhar essa briga em tempos pandêmicos.

Para mim todo tempo é momento de diversão. Vamos nos divertir com essa "briga de compadres", com quem se exalta, se aborrece e se digladia com seus pares mesmo havendo assuntos mais sérios para discutir, votar e decidir.

CONCLUSÃO

Observando a decisão do Ilustre Ministro Alexandre de Morais, do STF, alardeada pela mídia, o que aparenta e ficou claro, nos autos, é que houve uma elasticidade, temperada com uma boa dose de revanchismo e corporativismo, do conceito de “crime permanente”, para tentar abranger essa situação e mostrar quem manda na "casa da mãe Joana".

É de bom grado observar que os crimes contra a honra ocorrem de forma instantânea, isto é, na consumação e não se prolongam no tempo, esses crimes ocorrem assim que a (s) vítima (a) tem ou têm conhecimento do fato.

Repito para aclarar as ideias dos que, pelo meu escrito, forem induzidos a me interpretarem mal: Não me foi concedida procuração pública nem particular para defender alguém que se escuda nas prerrogativas funcionais para ofender a quem quiser e de acordo com suas (dele) convicções ideológicas.

Aliás, sou contra prerrogativas demasiadas abrangentes e para quem não sabe ministrá-las com ética, temperança e decoro convenientes às situações diversas. Todo extremo é danoso e traz consequências imprevisíveis!

Entendo que o parlamentar Daniel Silveira se enroscou nas palavras e ações por ser forte no corpo (trata-se de um atleta), mas fraco do juízo (como diria a saudosa mamãe Júlia). Se 257 colegas (seus pares) na Câmara dos Deputados lhe voltarem as costas (à boca miúda há quem assevere essa possibilidade pela falta de tato social do parlamentar), ele poderá aprender a ser, daqui por diante, menos emocional e mais racional.

Defendo, desde minha graduação (1993) na UFRJ, que o foro privilegiado precisa ser reavaliado, aplicado de acordo com a lei – COM URGÊNCIA – para evitar "carteiradas" e a usual, detestável e abusiva expressão: "Você sabe com quem está falando?". Não é demais lembrar: O Foro por Prerrogativa de Função foi criado com uma função nobre, mas a lei foi dilacerada no decorrer do tempo por republicanos sem noção, servindo de meio para se ter impunidade.

Todavia, com ou sem prerrogativas, salvo outro juízo, Daniel Silveira não preencheu os requisitos legais para ser preso em flagrante delito. Ele NÃO ESTAVA cometendo um crime inafiançável e muito menos foi preso em flagrante delito por estar cometendo crime comum e muito menos crime permanente (crime que se perpétua no tempo).

________________________

NOTAS REFERENCIADAS

– Textos livres para consulta da Imprensa Brasileira e “web”;

– Assertivas do autor que devem ser consideradas circunstanciais e imparciais.