A morte moral e espiritual do Brasil: de Bolsonaro a BBB

"Eu vos ensino o super-homem. O homem é algo que deve ser superado. Que fizestes para superá-lo?”.

Friedrich Nietzsche, Assim Falou Zaratustra.

Ainda é cedo para emitirmos a certidão de óbito do Brasil? Ou o gigante tornará sua doença parte do seu espírito, se contaminando lentamente com o próprio veneno?

Não sou de acompanhar tal programa de televisão, mas tem sido discutido como alguns de seus participantes, militantes identitários, tem se mostrado capazes da mesma violência que alegam sofrer.

Sabem mover a grande máquina da culpa, uma tecnologia antiga destinada a manter os homens trabalhando e devotando sua vida a escravidão das instituições. A mesma tecnologia que por muitos séculos foi utilizada contra eles.

A mesma violência denunciada no opressor se mostra como a mesma arma na mão do oprimido. Ele não extinguiu a opressão dentro dele, mas a manifesta quando se acuado ou com oportunidade de escapar da miséria e da indignidade em que ele vive.

Denunciamos na direita a falta de empatia, solidariedade e senso de coletividade. Infelizmente muitos setores da esquerda carecem dos mesmos princípios que denuncia no outro.

Ulstra, como o poder que lhe foi dado pela omissão e conluio com o Estado, torturou corpos e mentes. Hoje ainda é elogiado e milhões de brasileiros não veem problema algum nisto: na sua memória, nos seus feitos e em quem faz apologia a sua memória.

Quantos, mas quantos se pudessem usar da mesma violência não a fariam se isto fosse exigido por alguma causa?

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Os cristãos entregaram para a esquerda o Cristo. Digo aquele Cristo do amor ao próximo, do Deus é amor, o que perdoa a prostituta, o que brigava com os fariseus e mercadores do templo, o que denunciava a hipocrisia do que julga seu próximo e que mandava perdoar setenta vezes sete.

Demos a eles a bandeira do Brasil e o direito de dar a palavra "pátria" um tom militarista e abstrato como um hino e uma aspiração que não incluem o povo como parte desta pátria. Quando se fala em "pátria" não pensamos no povo e nem em uma mãe gentil, mas em uma aspiração moralista e hipócrita de organização social rígida e autoritária: capaz de nos salvar de nós mesmos.

No lugar do Cristo que nos devolveram, colocaram um messias. Um Cristo que porta armas, intolerante com os "pecadores", que renega a verdade como algo libertador. Um Cristo empreendedor, um Cristo coach, um Cristo que barganha bênçãos e prosperidade em troca de parte do seu salário. Um Cristo amigo e tolerante a mentiras e fake news, aliado de gente inescrupulosa que fala em seu nome. Um Cristo que se confunde com Mamon ou coisa pior.

Os ideais de fraternidade, solidariedade e amor ao próximo antecedem a existência de movimentos políticos organizados e posteriormente chamados de esquerda: comunismo, anarquismo, etc.

São ideias que o Ocidente herdou dos ensinamentos de Cristo. Em outras culturas e sociedades Buda, Maomé e outros profetas deixaram legados a respeito do convívio, de compaixão com os desafortunados e pobres e da solidariedade. Isto não os torna comunistas.

O socialismo, parte dele, operou com tais princípios. O materialismo histórico possa prescindir destes princípios quando compreende a classe trabalhadora envolvida em um processo histórico que acabará por completar a síntese destruidora do capitalismo. Não é a bondade do homem que o guia, mas o desejo de liberdade e as contradições cada vez maiores dentro do capitalismo.

Parte da esquerda no Brasil se guia por estes valores cristãos, ainda que mescle com elementos do marxismo.

Este cristianismo que se mesclou com as lutas socialistas foi negado de pronto por muitos cristãos de direita. Este cristão de direita que acha que os maiores problemas do Brasil são o aborto, consumo de drogas e a homo afetividade, casamento LGBTQ+ e é indiferente às desigualdades sociais, pobreza e injustiça social não poderia suportar este outro cristianismo e este outro Cristo.

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.” (Mateus 5:6)

Versículo bem conhecido, que é interpretado conveniente como justiça de Deus, que nada tem a ver com as injustiças deste mundo. Para os que ainda insistem que tal fome e sede não se refere as coisas deste mundo:

"E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.

Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos;

Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber;

Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes" Mateus 25:40-43

Se associam às coisas, ambições e vaidades deste mundo. Se assemelham aos demais em seu egoísmo, mau caratismo, violência e falta de compaixão com o próximo. Os templos se transformaram mercados de bênçãos, nunca espirituais, mas materiais.

"o mundo jaz no Maligno"(1 João 5:19). Satanás esta dentro de cada um que o opera o mal. Satanás não é dono do mundo, sem antes ser dono dos corações das pessoas que nele vivem. O pecado é aquilo que fazemos de mal ao próximo e a nós mesmos, pecar contra Deus é pecar contra o que ele ensina, deturpando suas palavras, negando seus ensinamentos essenciais e se comportando como os fariseus.

"Aprendei a fazer bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas.

Vinde então, e argüi-me, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã"

Isaías 1:17,18

Fica a pergunta: onde estão os maiores pecadores? E suas obras geram mais ou menos pecado?

Os fariseus negaram novamente Cristo, por que tiveram que escolher entre dois senhores: escolheram Mamon. Queriam o diabo, o chamado por Cristo de homicida e mentiroso desde o princípio. A predileção pela morte e a violência.

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O Brasil esta nu! O Brasil esta nu! Diria em meio a escândalos aquele que visse todas as mazelas morais e sociais que vivemos sem o filtro da cinismo, de ideologias baratas ou pregações estapafúrdias a respeito dos mundos existente além deste.

Toda a nossa violência, antes censurada por bons costumes ou melhor oculta como exceções e justificadas pelos mantenedores da ordem, agora explode sem pudor algum.

Talvez por tanto tempo escondendo nossa violência, na maneira de agir com nossos semelhantes, ela se tornou insuportável para nós. Nossas verdades, antes feias e indesejadas, tiveram que ser expressas, colocadas para fora sob risco de se voltarem contra nós mesmos.

Dançamos sob cadáveres, celebramos os assassinos e toda morte que eles trazem. Quando não podemos destruir os corpos, nos devotamos a manipular e controlar mentes e almas. Dos grandes aos pequenos, quando não podem destruir o corpo, dão um jeito de torturar as almas para que morra aos poucos ou se rende.

Por que tanta violência? Por que desejamos e idolatramos assassinos e torturadores?

As estruturas tem cheiro de morte, nada tão evidente para os que tem alguma perspicácia. Não há espaço para todos, os melhores lugares já estão reservados ou deverão ser conquistados após grandes guerras, principalmente dentro de si mesmo.

Não cabe todo mundo, como falei, mas há lugares piores, muitos, e alguns lugares um pouco melhores. No final a maioria fica desconfortável. A violência é uma forma, tecnologia social desenvolvida durante milênios, para fazer caber os relutantes ou excluir os rebeldes, para que cada um tenha seu lugar.

Por que a violência contra os pobres é fundamental para a sobrevivência destas estruturas sociais? Por que elas não comportam seres humanos, a maioria deles, sem violentá-los de alguma forma.

Sociedades como a nossa, Brasil, exige que boa parte da população se conforme a dor, a humilhação e o desrespeito. Aliás, minto. Na verdade, são estas dores, humilhações e desrespeito que conformam as pessoas a uma estrutura injusta - que precisa da violência para conformar as pessoas a um vida injusta.

A violência como parte do cotidiano de muitos brasileiros, internalizada por eles como uma condição para a sobrevivência, muitas vezes retorna de forma impulsiva, sem autorização social, contra o próximo. A violência nele contida para sujeitar a própria alma a uma vida desprezível, as vezes não é contida em si.

Vejo um país que não suporta mais a violência contida em si e contra si. Temos que toda esta violência necessária para se manter uma sociedade injusta e cruel não possa ser contida, que possa em algum momento transformar o pacto cidadão conformado esta desgraça toda em alguém que queira retornar toda esta violência contra as instituições que o agridem.

Por que até o momento, esta violência tem transbordado na agressividade no trânsito, na violência contra a mulher, nos coronéis e sádicos que gostamos de eleger como líderes espirituais e governantes.

Quando as instituições se tornam nuas, isto é, sem a vestimenta de protetora da ordem e provimento de justiça e paz aos cidadãos, elas se tornam a própria desordem.

No momento em que o cidadão enxerga nitidamente, em seu íntimo, que a fonte de suas tormentas não seu fracasso, sua "pouca" inteligência e nem seu vizinho, mas a estrutura social organizada para lhe espoliar e manter a conformidade a esta espoliação.

No momento em que o cidadão, já com este sentimento, encontrar tantos outros com os mesmos sentimentos.

Neste momento teremos um caos muito grande e uma violência sem precedentes já testemunhadas pelo país.

A corrupção das instituições eleva o nível de violência necessária a sua conformação. Estamos elevando e brincando com o nível de tolerância que as pessoas em média são capazes de ter.

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Quem é capaz de pensar, hoje no Brasil, o novo homem? Seremos capazes de luz a um novo homem? Da nossa hipocrisia, mentira, ganância por poder e ego doente nascerá um novo homem capaz de merecer este país e o respeito das demais nações?

Ou acreditamos que este velho homem violento, prestes a explodir, será o nosso distópico futuro?

Quem serão aqueles capazes de cultivar e plantar para que este novo homem venha um dia a pisar em nossas terras? O novo homem, aquele ele possa aqui superar os valores velhos, as hipocrisias, demagogias, filosofias da fraqueza, moral de rebanho... que seja uma seta para o outro lado da margem.

Não sabemos mais qual o Brasil as pessoas sonham. Com certeza o desejo da violência não vem de um sonho, mas do medo e da injustiça. Tenhamos sonhos melhores, mais elevados, mais puros - dignos do além do homem, além do nós mesmos e este mundinho podre e asqueroso em que transformamos o Brasil.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 11/02/2021
Reeditado em 12/02/2021
Código do texto: T7182322
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