Falando em impeachment: já pensou em parlamentarismo?
Tópicos do Artigo:
> Fundamentos do populismo atual
> Parlamentarismo como prevenção ao populismo
> Resistências inconsistentes ao parlamentarismo/ E se fosse o Guilherme Boulos?/ E se fosse Bolsonaro?
> Fundamentos do populismo atual
Trump, Bolsonaro... são reflexos de um fenômeno mais profundo na política que chamamos de populismo. Líderes, de esquerda ou de direita, que tratam diretamente com as massas, desprezando a representação dos partidos e instituições não são algo novo, mas que se fazem renascer em conjunturas políticas específicas.
A crise das representações políticas gera as condições em que os descrédito nas instituições normais de democracia coloca em xeque a segurança ou a sensação de confiança das pessoas em seus representantes.
O próprio avanço do capitalismo, suplantando direitos sociais e promovendo o mercado como um parâmetro cada vez mais presente nas relações sociais e suas mediações, leva ao enfraquecimento da política como forma de busca pelo consenso das soluções que uma coletividade precisa para seu desenvolvimento.
Não sem motivos, antes que os líderes demagogos ganhem força é preciso que as condições para que haja consenso político, uma cooperação mesmo entre divergentes, estejam abaladas. Para que haja diálogo, mesmo entre divergentes, é preciso haver regras e objetivos comuns e reconhecidos.
O que os EUA e o Brasil ainda estão vivendo é a quebra deste consenso democrático, a consciência e respeito as regras da democracia e ao bem estar coletivo. Sem o consenso, não há regras para a disputa democrática, a disputa deixa de ser entre os que melhor possam corresponder a estes objetivos, para se tornar um conflito onde os interesses são incompatíveis ao ponto de não permitirem um consenso.
Os meios modernos de comunicação, tanto as redes sociais quanto o marketing político altamente profissionalizado, permitiram a aceleração e agravamento destas crises políticas. Quem ganha com a desconstrução do consenso são necessariamente os grupos que se beneficiam da desregulamentação de leis trabalhistas e ambientais.
Se o consenso quanto ao meio ambiente, direitos humanos e dignidade do trabalho se mostram como uma oposição ao desenvolvimento do capitalismo, isto é, são mercados inexplorados e barreiras a exploração do lucro, o sistema incentiva e se beneficia dos demagogos.
O papel dos demagogos como Bolsonaro e Trump é servirem para desconstruir o consenso político e ao mesmo tempo despolitizar as questões sobre desigualdades, discriminação ou qualquer outra pauta que constituía os movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
Sem partidos organizados e capazes de representar os diversos interesses de uma sociedade é mais despolitizar questões importantes como educação, meio ambiente, direitos trabalhistas e outros para torna-los objetos do mercado e de interesses pessoais e individuais.
Desacreditar os partidos, desacreditar a imprensa e mesmo a ciência é um meio de que enfraquecer os meios democráticos, que promovem o consenso e ao mesmo tempo harmonizam as divergências dentro de um horizonte de cooperação comuns.
> Parlamentarismo como prevenção ao populismo
Os processos de impeachment no presidencialismo são remédios difíceis e muitas vezes inescusáveis diante de impasses governamentais e ingerências dos governantes.
A dependência do executivo em relação ao legislativo implica em alianças e construções políticas para que o presidente possa governar. No parlamentarismo não é diferente, porém quando não é possível construir estas alianças, há diversas possibilidades como o primeiro-ministro convocar novas eleições parlamentares ou estes não deixarem outra escolha ao primeiro-ministro que a simples renúncia ( sem traumas nem delongas como no presidencialismo).
A eleição pelos próprios parlamentares do primeiro-ministro já implica na escolha de uma figura capaz de construir o consenso político e governar por meio de alianças. Fortalece os partidos e os mandatos legislativos.
O fortalecimento dos partidos que parlamentarismo promove e a simplificação do processo de escolha e destituição do ocupante do executivo é a melhor prevenção contra demagogos.
Analisando o país hoje, qualquer presidente das casas, Câmara e Senado, seria preferível do que um Bolsonaro. Em um sistema assim, o próprio impeachment da Dilma não teria sido tão traumático do ponto de vista político.
Um Bolsonaro ou Trump não teriam chegado tão longe e causado tantos estragos se os respectivos países fossem parlamentaristas.
O parlamentar, como representante do povo, seria investido de poder tanto para eleger como para suspender (sem grandes traumas) o ocupante do executivo que não saiba construir alianças e consensos, ou levar a frente uma administração competente e politicamente estável.
> Resistências inconsistentes ao parlamentarismo
Há uma ideia tola de que se nosso congresso, com tantas acusações e desconfianças da população, não seria ainda mais corrupto caso tivesse mais poder como em um regime parlamentarista.
No caso, supõe-se que o primeiro-ministro eleito por supostos corruptos facilitaria a corrupção dos demais parlamentares ou o tornaria refém deste.
Nada que já não ocorra no presidencialismo, porém no parlamentarismo a responsabilidade pela governabilidade pesa sobre o parlamento - o que equilibraria afinidades ideológicas com a capacidade administrativa e liderança política.
Poderia o congresso eleger um "Eduardo Cunha" para primeiro-ministro, da mesma forma como ele foi eleito para presidente da câmara... Um Eduardo Cunha teria que governar e se empenhar muito mais que um presidente da câmara e estaria sujeito a remoção caso falhasse nisto.
Vamos imaginar se Guilherme Boulos (Psol) ganhasse as próximas eleições presidenciais. Ele teria o apoio da população, mas caso esta o deixasse de apoiar, as chances da mesma o remover do cargo é ínfima. Se ele não construísse suas pontes com o congresso também não governaria e passaria por sérias crises.
Digamos que Boulos fosse um líder populista. Dificilmente perderia apoio dos seus eleitores e manteria um bom número deles fanatizados. Desacreditaria mídia e se aproximaria das forças armadas para buscar legitimidade e intimidar opositores.
Emparelharia ministério público e direções de órgãos públicos para que agissem a favor de seus interesses pessoais e ideológicos. De fato nosso presidencialismo permitiu, tendo Bolsonaro como exemplo, tudo isto.
Ele poderia com todo este emparelhamento e manipulação de seus eleitores impedir que haja apoio popular ao seu impeachment e continuaria a errar e falar bobagens sem punição alguma. Causar mortes e incentivar condutas irresponsáveis.
Agora imagine o Boulos como primeiro-ministro. Ele teria que se eleger duas vezes antes de chegar ao cargo. Primeiro pelo voto popular e segundo pelos votos dos colegas parlamentares.
Ele teria que conquistar apoio e se destacar daquele grupo como um liderança capaz de governar. Ao chegar a primeiro-ministro não poderia fazer ou falar certas coisas sem colocar em risco sua permanência no cargo. Não adiantaria apelar para militares ou algo assim, pois sua destituição do cargo é um processo muito mais normalizado que um impeachment.
> Conclusão
O presidencialismo é muito mais adequado a figuras demagogas e radicais, do que o parlamentarismo, onde o poder do executivo é mais diluído e dependente do legislativo.
O avanço do capitalismo sobre direitos e o meio ambiente encontra forte obstáculo em democracias avançadas e sólidas, com a sociedade organizada em partidos, sindicatos, movimentos sociais e órgãos de classe.
Não sem motivos tais movimentos sociais, organizações partidárias e civis são alvos de descrédito e calúnias por parte dos demagogos.
O populista se alimenta de crises sociais, as vezes as que ele mesmo provoca e as vezes geradas por crises econômicas. O descrédito na política, isto é, em nossa capacidade de nos organizar para defender os interesses e a sobrevivência comum, é o fundamento do demagogo.
Este se propõe como salvador, alguém preparado ou destinado a colocar tudo no seu devido lugar e fazer aquilo que as instituições teriam falhado e se corrompido ao tentarem fazer.
Sem a conveniência do capitalismo o populismo não iria muito longe, seria até mesmo um empecilho ao seu desenvolvimento ou causador de distúrbios.