SÓ OS MORTOS APODRECEM
O límpido riacho descia pelas fendas da montanha cantando feliz sua canção de águas cristalinas e ligeiras. Serpenteando entre pedras e árvores, parecia um menino arteiro, pulando barrancos e formações rochosas, formando pequenas e lindas cachoeiras, que pareciam véus de noiva a dançar sobre a luz do luar.
Por centenas de anos ele fez esse caminho. Um dia, um abalo sísmico deslocou uma pedra na montanha. Ela caiu justamente no meio da pequena garganta por onde ele escorria. Com a passagem obstruída, ele teve que buscar um novo curso. Logo achou ouro caminho e recomeçou sua marcha para o mar, objetivo de todos os cursos de água do mundo. Mas esse caminho era mais longo, e em determinado trecho ele tinha que passar por um pântano fétido e imundo, cheio de matéria morta e estranhas formas de vida. Ele, que até então só hospedava lindos peixinhos coloridos, se viu invadido por criaturas feias, cascudas e mal cheirosas, que traziam para suas límpidas águas uma coloração ocre e um cheiro pútrido. O riacho olhou para todos os lados e ficou desesperado. Parecia não haver meio de atravessar aquelas paisagens lodosas e nauseabundas, sem se misturar á elas. Por toda parte era a mesma coisa. Uma imensa massa líquida de águas estagnadas. Mas ele tinha que se movimentar. E nesse movimento aprendeu que suas águas, embora tivessem se tornado um tanto turvas, não precisavam se misturar ás do pântano. Percebeu que as águas do pântano tinham aquela cor e exalavam aquele cheiro porque haviam se estagnado em meio à uma floresta de organismos corrompidos, que servia de pasto para todas as criaturas que se alimentam da matéria decomposta. Na luta para sair daquela podridão ele buscou um canal pelo qual pudesse escapar daquele ambiente malsão. Logo venceu a estagnação e suas águas tornaram-se um guia para quem se perdia naquele pântano. Bastava seguir as folhas que rolavam mansamente pelo lodaçal, acompanhando o movimento do seu curso. Depois de rolar alguns quilômetros o riacho escapara do pântano e transformara-se num rio caudaloso. Tornara-se uma calha para centenas de outros rios e riachos que afluíam ao seu leito em busca de um caminho seguro e limpo para o mar. Então ele seguiu seu curso, sabendo que tinha cumprido, com galhardia e eficiência, sua missão. Não se deixara vencer pelos obstáculos nem se contaminara com a podridão com a qual teve que conviver. "Só os mortos apodrecem", era a frase que suas águas pareciam murmurar, quando recebiam o abraço do mar.
Dedico esta metáfora a todos os novos vereadores e prefeitos que se elegeram nas últimas eleições. Que eles se lembrem que nós os elegemos com a esperança de que possam nos tirar deste pântano fétido em que se transformou o nosso meio político.
O límpido riacho descia pelas fendas da montanha cantando feliz sua canção de águas cristalinas e ligeiras. Serpenteando entre pedras e árvores, parecia um menino arteiro, pulando barrancos e formações rochosas, formando pequenas e lindas cachoeiras, que pareciam véus de noiva a dançar sobre a luz do luar.
Por centenas de anos ele fez esse caminho. Um dia, um abalo sísmico deslocou uma pedra na montanha. Ela caiu justamente no meio da pequena garganta por onde ele escorria. Com a passagem obstruída, ele teve que buscar um novo curso. Logo achou ouro caminho e recomeçou sua marcha para o mar, objetivo de todos os cursos de água do mundo. Mas esse caminho era mais longo, e em determinado trecho ele tinha que passar por um pântano fétido e imundo, cheio de matéria morta e estranhas formas de vida. Ele, que até então só hospedava lindos peixinhos coloridos, se viu invadido por criaturas feias, cascudas e mal cheirosas, que traziam para suas límpidas águas uma coloração ocre e um cheiro pútrido. O riacho olhou para todos os lados e ficou desesperado. Parecia não haver meio de atravessar aquelas paisagens lodosas e nauseabundas, sem se misturar á elas. Por toda parte era a mesma coisa. Uma imensa massa líquida de águas estagnadas. Mas ele tinha que se movimentar. E nesse movimento aprendeu que suas águas, embora tivessem se tornado um tanto turvas, não precisavam se misturar ás do pântano. Percebeu que as águas do pântano tinham aquela cor e exalavam aquele cheiro porque haviam se estagnado em meio à uma floresta de organismos corrompidos, que servia de pasto para todas as criaturas que se alimentam da matéria decomposta. Na luta para sair daquela podridão ele buscou um canal pelo qual pudesse escapar daquele ambiente malsão. Logo venceu a estagnação e suas águas tornaram-se um guia para quem se perdia naquele pântano. Bastava seguir as folhas que rolavam mansamente pelo lodaçal, acompanhando o movimento do seu curso. Depois de rolar alguns quilômetros o riacho escapara do pântano e transformara-se num rio caudaloso. Tornara-se uma calha para centenas de outros rios e riachos que afluíam ao seu leito em busca de um caminho seguro e limpo para o mar. Então ele seguiu seu curso, sabendo que tinha cumprido, com galhardia e eficiência, sua missão. Não se deixara vencer pelos obstáculos nem se contaminara com a podridão com a qual teve que conviver. "Só os mortos apodrecem", era a frase que suas águas pareciam murmurar, quando recebiam o abraço do mar.
Dedico esta metáfora a todos os novos vereadores e prefeitos que se elegeram nas últimas eleições. Que eles se lembrem que nós os elegemos com a esperança de que possam nos tirar deste pântano fétido em que se transformou o nosso meio político.