Por que as pessoas não querem saber de política

Questões propostas pelo artigo:

* Por que o povo esta se cansando da falsa democracia e o perigo que isto representa.

* A diferença entre política e a falsa política.

* Bolsonaro como o princípio da substituição da democracia pela tecnocracia.

* Como a aversão do povo pela política contribuirá para ascensão da tecnocracia e como os partidos tradicionais e sindicatos contribuirão para isto, mesmo não intencionalmente.

* Por que o povo esta se cansando da falsa democracia e o perigo que isto representa.

Parece inverosímel tal questão. Quem disse que não estão? Tanta gente falando, se escandalizando e inclusive brigando por conta de política hoje no Brasil. Como assim "as pessoas não querem saber de política". Vamos à algumas verdades inconvenientes que precisam ser ditas.

As pessoas se interessam por notícias apelativas sobre política ou de cunho demagógico. O escândalo, a prazerosa descrença e chacota com a política, serve àquele alívio que muitos brasileiros sentem quando reconhecem que a culpa do Brasil ser como é não é dele. Existe um outro responsável por tanto caos e desajustes.

A maioria da população não sabe a política como prática de organização e defesa de interesses. Esta deficiência é encontrada até mesmo entre pessoas com nível superior e de pós-graduação em diversas áreas.

Esta política como forma de organização em torno de interesses comuns, desta prática e habilidades, é algo desconhecido e da qual a maioria se considera inapta ao exercício.

A política então se torna um oligopólio de uma minoria que conhece os caminhos e os meandros. Grupos fechados que se revezam no poder, que governam "para" o povo e não com o povo, como se dizia há muito tempo atrás. É a política que tem a sensibilidade de "ceder os anéis, para não perder os dedos".

Se sentindo fora do jogo e convicto de sua malignidade, por meio de tantos escândalos de corrupção e contradições entre prática e discurso, o povo se sente a parte da verdadeira política: não entende o jogo, o acha maligno e desonesto tudo que se faz para chegar e se manter no poder, e despreza como atividade vil a política.

Ao sentir que só é chamado para o jogo para assistir e não para jogar, as pessoas vão perdendo interesse na verdadeira política. Entregam ou abandonam nas mãos dos partidos o exercício da política.

>> As impressões que as pessoas tem sobre a política

Vocês encontram alguns grupos bem definidos de pessoas em relação as suas percepções sobre a política.

Existem aquelas que acreditam no poder transformador da política, na importância da ética e da honestidade ao escolher um candidato.

Estas manterão o otimismo por pouco tempo, caso sejam espertas o suficientes para enxergarem as contradições dos políticos e a parcialidade da justiça brasileira. Terão a impressão que tal político não terá vez neste sistema ou nem chegará ao poder. Logo se desinteressarão.

Outras pensam que se participassem mais da política, sindicatos e partidos, haverão de mudar ou contribuir para uma mudança positiva nas relações políticas. Até que comecem a enxergar lá dentro como as coisas funcionam e se desanimarão.

Ficarão aquelas que vão aceitar as coisas como são. De que a disputa mesquinha, o vale-tudo e a ganância por poder é a realidade tal como ela é. Não sem motivos se corromperão facilmente, se manterão cínicos ou se envaidecerão de serem Dom Quixotes na política.

A maioria, ao perceber que o jogo é desonesto e incompreensível, se afastará e verá com desprezo a política, tomando a sua corrupção como a atividade política em si. Estas apostarão no esforço próprio e na busca individual por segurança, moradia e dignidade.

O que as pessoas comuns, a sua maioria, entendem por política as leva a afastarem destas atividades. Não é culpa delas. A questão é que para participar da política é preciso ter algum conhecimento sobre a mesma, espaços públicos e organizacionais para isto e maior democratização da participação da militância nas decisões internas de partidos e sindicatos.

>>A questão é: por que isto não é promovido então?

Simples:

* A educação pública e particular que já não faziam isto muito bem, agora fazem muito menos por medo de serem acusadas de doutrinação. Há uma idiotice em voga neste dias sombrios de que o professor não ensina por que fica falando de política em sala de aula.

Ao contrário do que preconiza esta imbecilidade, se algum professor faz militância em sala de aula, ele não ensina política. Ensinar política é ensinar o exercício da cidadania, da autonomia e da capacidade de reflexão sobre a sociedade e o Estado. Isto a escola não faz.

Não há interesse dos políticos que o sistema de ensino prepare os jovens para um exercício mais crítico da política, que não se limite a ir como gado de dois em dois anos votar acreditando com isto ser representado? Pessoas que não aceitarão qualquer arbitrariedade, que saberão exigir seus direitos e reconhecer picaretas disfarçados de gestores públicos?

* Haverá interesse pela mídia, que em geral são grandes empresas e tem interesses de classe muito bem definidos, em promover condições para que o trabalhador seja protagonista na política e não aceite reformas que só servirão para prejudica-lo e dar lucros a elite que mais concentra renda no mundo?

O que a mídia faz é mostrar o lado corrupto e degenerado da política, não que ele não tenha que ser mostrado, mas que é dado o foco nisto, como se política se reduzisse a canalhice que vemos todos os dias e em todos os lugares.

* Os partidos políticos no Brasil e algumas centrais sindicais terão interesse em promover a maior participação de seus militantes nas decisões tomadas pela cúpula? Ou terão interesse que o poder seja desconcentrado com a maior participação popular nos seus meandros?

Quando a capacidade e talento para agregar pessoas é escasso ou inexistente, a tendência dos grupos é se fechar entre os convertidos e viverem em uma espécie de bolha que não poucas vezes é desatualizada em relação ao que acontece na vida real.

Suas decisões e discursos parecem estranhos, incompreensíveis ou mesmo maliciosos aos olhos de quem se encontra fora do processo.

Se o povo é um meio ou fim para quem pretende exercer o poder, se engana quem acha que o povo não percebe isto, embora não possa explicar com "elegância" e conceitual apropriado tal coisa. Eles não entendem, mas sentem e isto na decisão de confiar ou não é o bastante para eles.

>> O que decorre disto?

Se a democracia se reduz a um processo institucionalizado em que poucos grupos e suas ideologias se alternam no poder, onde só quem se adapta as estruturas ideológicas e partidárias, tem alguma chance de alcançar os cargos políticos, este regime será desprezado pela população.

Para ela tanto faz se houver um golpe amanhã e se levantar uma ditadura de 20 anos ou mais.

A esquerda e demais partidos tradicionais ainda não perceberam o significado da eleição do Bolsonaro. Também não entenderam como um partido anteriormente nanico, PSL, se tornou equiparável em número de cadeiras na Câmara ao PT e com muitos representantes no Senado.

Eles não entenderam que o povo esta cada vez mais cansado, das contradições entre o que se diz para ganhar as eleições e o que se faz ao chegar e para chegar lá. O povo não confia mais neste tipo de política e de político. Estão cansados e percebem o jogo em que se mudam os nomes, mas tudo continua o mesmo.

O Bolsonaro, assim como congêneres, representam a "apolítica". Não é novo o fenômeno onde uma nação descrê na democracia e elege figuras que representam sua negação.

O candidato que não negocia, que se dispõe a dar o que o povo quer se este lhe der poder e chance de fazer alguma coisa. Bolsonaro foi a pedra que o povo tinha nas mãos para insultar e mostrar insatisfação com a velha política.

Uma pedra perigosa que é uma contínua ameaça a democracia. Este homem se elegeu inúmeras vezes com deputado, por se colocar como uma voz das corporações militares e indivíduos, também céticos e insatisfeitos com a forma como a democracia tem sido feita no Brasil.

Fez pouco em termos práticos, é preciso dizer. Mas foi a voz da insatisfação de setores expressivos da população que se cansou de ver o que lhe parece, com inúmeras razões, uma farsa onerosa. Para muitos, esta voz polêmica no Congresso e na mídia foi um alívio, uma experiência de representação não encontravam nem mesmo em partidos considerados de direita.

>> Futuro

Creio que a política de alternância do oligopólio partidário já esta com os dias contados. Há muitos interesses econômicos interessados em esvaziar a política e colocar em sua lugar uma certa tecnocracia.

Esta tecnocracia seria fundamentada em ações extremamente pragmáticas tanto em decisões econômicas e estratégicas, quanto na manipulação do povo com táticas de marketing e manipulação virtual.

A tecnocracia minaria o poder dos oligopólios, pois teria um modos operandi próprio e blindado contra qualquer um que chegue no poder e não siga os protocolos técnicos e operacionais existentes e pretensamente fundamentados na ciência e não em "ideologias".

O povo mesmo rejeita esta forma de democracia de cartas marcadas, onde se finge governar com o povo, quando na verdade o povo é só um meio e não um fim. Estas contradições parecem sanadas, aos olhos do povo, por políticos como Bolsonaro.

>> Há embasamento teórico e factual para as coisas que foram ditas acima?

Sim, mas apresenta-las aqui depende da demanda que alguma discussão possa colocar. Seria ótimo ter um contexto para isto. Mas no momento, é o bastante.

Eu poderia citar não só experiências pessoais, mas inúmeros autores, especialistas e escritores influentes que compartilhavam um ou mais aspectos do que foi apresentado aqui. Deixaria o artigo longo demais para leitores não especializados ou não muito motivados com este tipo de assunto.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 02/09/2020
Reeditado em 02/09/2020
Código do texto: T7052855
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