O MITO DO SALVADOR DA PÁTRIA

A figura de Dom Sebastião, rei de Portugal, desde sempre foi cercada de muito mistério. Em 1580, na batalha de Alcácer-Quibir, o monarca perdeu a vida no enfrentamento. Como seu corpo nunca foi encontrado, criou-se uma lenda no imaginário coletivo acerca da sua morte, negando-a, e acreditando na sua fuga durante a peleja, tendo como direção Lisboa, para livrar o povo dos inúmeros problemas existentes na sua ausência. Nasce aí o sebastianismo, movimento profético sustentado na crença em relação à volta de Dom Sebastião. Sem negar as influências lusófona, o brasileiro também vive esperando seu Sebastião, dando cabeçadas aqui e acolá, na esperança de um dia encontrar o verdadeiro salvador da pátria.

O fim do regime militar, culminando no início do período de redemocratização, proporcionou uma mudança no cenário daquela época. O Brasil vivia outros ares. As eleições presidenciais diretas iriam ocorrer depois de vinte e um anos e trazia consigo a perspectiva de novos horizontes para a Nação. Os eleitores enxergaram em Fernando Collor a personalidade capaz de diminuir os contrastes entre as classes sociais, afinal ele se denominava o caçador de marajás, combatente mor dos privilégios e a personificação perfeita dos menos favorecidos. Na mosca! Foi eleito como o salvador da pátria e dois anos depois respondia um processo de impeachment por participação em um esquema de corrupção e de compra de votos no Congresso Nacional. Renunciou antes do impedimento, deixando Itamar Franco em seu lugar.

Uma nova tentativa, encampada na égide de Fernando Henrique Cardoso, fez a população sonhar com uma economia estabilizada frente ao Plano Real recém-criado. Com uma vitória acachapante no primeiro turno, o sociólogo chegou à cadeira presidencial prometendo manter o desenvolvimento econômico. A cara do seu governo foi as privatizações de empresas públicas deficitárias além de um congelamento momentâneo da inflação. Sua derrocada iniciou com o uso de dinheiro público para comprar deputados calhados a votarem uma Emenda Constitucional permitindo a reeleição. Conseguiu seu tento e reelegeu-se em 1998. Todavia, o segundo mandato foi um golpe duro para o Brasil. Com a economia em frangalhos e a inflação nas alturas, somado à crise do setor energético, o presidente deixou o cargo com níveis elevados de desaprovação.

Lula chega ao poder em 2002 carregando o ensejo do povo mais pobre que suplicava por uma política a qual alcançasse suas vidas. E ele vinha desse meio, metalúrgico e líder sindical. O desafio era distribuição de renda menos desigual e a eliminação da fome no mapa brasileiro. Com os preços das commodities em alta, o sindicalista conseguiu redistribuir a renda por meio de programas de inclusão, mas, assim com seus antecessores, esbaldou-se em corrupção usando estatais bancárias e do ramo petrolífero. Embora tenha sido reeleito, a pecha da corrupção o acompanhou por toda a sua trajetória. Mostrou força política quando elegeu e reelegeu Dilma, mas definitivamente não era mais visto como alguém capaz de salvar o Brasil.

Dilma jamais foi reconhecida como a salvação do país. Elegeu-se pela popularidade de Lula e, assim como o seu padrinho, também viu seu mandato entranhado de falcatruas. A Lava-a-Jato desmontou seu governo. Desgastada, enfrentando fortes adversidades na parte econômica, sem apoio no Congresso e com pouca competência em administrar, virou presa frágil no processo de impeachment. Saiu e seu vice, Michel Temer, assumiu até 2018. Novas eleições ocorreram e Jair Bolsonaro sagrou-se vencedor. Apoiado nos discursos de antissistema, de ficha limpa e do antipetismo, ele vestiu a capa do super-herói e passou ser a pessoa certa para salvar o Brasil, ao menos nas cabeças dos seus apoiadores.

Sua administração mal começou e veio à tona todos os seus trambiques. Desde "rachadinhas" com salários de servidores contratados enquanto ele era deputado, até envolvimento com milícias no Rio de Janeiro. O trato hostil com a imprensa e uma inabilidade assustadora em lidar com a maior crise sanitária que assolou o país, a Covid-19, desfez a ilusão do messias. É impossível cravar sua reeleição, pois faltam dois anos para o próximo pleito e as condições até lá deverão mudar. De certo mesmo foi, novamente, a frustração do povo ao se enganar mais uma vez.

O brasileiro precisa amadurecer. O salvador da pátria só existe em filmes hollywoodianos e nos contos infantis. Esperar por ele na vida real é uma tarefa inócua e completamente descolada da realidade. Se você clama pelo combate à corrupção e por uma postura mais ética dos políticos, comece corrigindo suas atitudes no dia a dia, como subornar um guarda evitando tomar multa ou furar uma fila no banco. Precisamos abandonar urgentemente essa cultura “de ser esperto” a todo custo. O reflexo da sociedade é fielmente retratado nos nossos representantes, independente da esfera. Nutrir a expectativa de uma postura decente deles quando não a temos no cotidiano, é muita hipocrisia.

Internalizar esse pensamento e atuar a partir dele parece ser o primeiro passo rumo a um despertar da consciência cidadã. O Brasil será melhor quando alcançarmos essa posição e depreendermos daí lições importantes e necessárias para nosso crescimento, como, por exemplo, parar de bajular políticos e começar a fiscalizá-los no cumprimento dos deveres assumidos em campanha. Ao mesmo tempo, cumpra também os seus deveres e lute para transformar sua vida em algo melhor. Transferir essa tarefa para terceiros só trará frustração. A saída para todos os problemas passa pela política, portanto negá-la é loucura. Todavia, tenha clareza do seu papel nesse jogo, a fim de se tornar um agente participativo e não um tolo que acredita em salvador da pátria.