A CAVERNA E O DESEMBARGADOR.
(Milton Pires)
“Ah, coitadinho do guarda...pra que humilhar o rapaz desse jeito? Tava só fazendo o seu trabalho, coitado...foi pegar esse infeliz, esse prevalecido metido a besta pela frente que lhe deu carteiraço..”
Que nojo, meu Deus, que asco, que náusea que eu tenho dessa frase, desse raciocínio porco, dessa solidariedade nojenta...forjada...automática…cínica...hipócrita..
Dessa solidariedade...solidariedade...BRASILEIRA! Urrhgr! (como diz uma amiga minha)
Eu não sei se eu sinto mais nojo do desembargador fascista ou da “solidariedade de aluguel”, dessa solidariedade podre, dessa solidariedade política, católica comunista, latino-americana, que serve tanto ao Fascismo Cloroquínico do Jair Mussolini quanto ao Comunismo dos Vagabundos Petistas Pedófilos que já governaram o Brasil.
Escrevi hoje que todos nós, todos os brasileiros, vivemos na “condição do guarda”. Sim, nós como brasileiros atravessamos nossa vida na condição do guarda, sim! Nós sabemos que o “Brasil é assim”, nós temos que assistir Alexandre de Moraes, Toffoli, Lewandowski et caterva servindo aos Vagabundos Petistas ou aos Psicopatas Fascistas conforme lhes convenha, nós sabemos da lagosta, do uísque importado…dos melhores vinhos e mulheres gostosas pagas em Brasília...nós fingimos que não sabemos, mas sabemos, sim, né?
Nós temos dentro de nós esse nosso encanto, essa tentação por ser “doutor”, por ser “autoridade”, por poder “pisar”, “humilhar o outro”...nós “somos todos desembargadores”, nós não temos raiva nenhuma do desembargador, nós não temos pena alguma do guarda – nós SOMOS O GUARDA que quer estar no lugar do desembargador!
Como seria bom ser desembargador, hein? Mordomias, salário de 35 ou 40 mil por mês, um bando de advogadas gatinhas trabalhando pra gente, auxílio moradia, excelente plano de saúde, três meses de férias por ano...ah, que beleza! Como diz aquele personagem do Monty Python - “It’s good to be King!”
Pois é, mas nem todo mundo pode ser Rei, né meu chapa? Alguém tem que ser a plebe, tem que ser povão...Nós nascemos para ser povão, pra ser povão brasileiro…
O que acontece é que um desgraçado fascista, um imbecil bolsonarista comedor de comprimidos de cloroquina, que sai sem máscara por toda parte humilhando todo mundo porque “é Desembargador”, nos lembra daquilo que nós queremos ESQUECER…
A cena do Guarda e do Desembargador É, para Psicanálise do Paciente Brasil, aquilo que a vontade de ter relações sexuais com a mãe É para todo Homem quando ele é menino. A vontade está SEMPRE lá, mas até mesmo FALAR sobre ela gera sentimentos insuportáveis. É isso que o "paciente Brasil" sente vendo a cena do Guarda e do Desembargador.
É! É isso mesmo: nós queremos esquecer que estamos no Brasil, que nós somos o “guarda humilhado”…Todos os dias nós vamos pra cama à noite...sonhamos que vamos acordar sendo Desembargadores, meu chapa!
Aí vem a realidade: aí vem um Desembargador DE VERDADE e destrata “outro que nem nós”..humilha o guarda numa CENA REAL da maneira que o Estado Brasileiro trata todos nós, todos os dias, sem ser filmado, sem parar no Fantástico, na BAND, no SBT, no Jornal Nacional…
Nós sabemos que isso é verdade, nós sabemos aquilo que o “Grande Desembargador”, o “Dr. Estado”, pensa de todos nós, todos os dias, 365 anos por ano, dentro dos cartórios, da Receita Federal, das repartições públicas...nas Prefeituras, nos Ministérios, nas Autarquias de Classe…nos Hospitais do SUS, nos Ônibus...
A nossa é uma vida de escravos que vivem na mentira, de prisioneiros como aqueles que estavam na Caverna do Platão...nós nos enfurecemos contra qualquer um que possa sair da caverna, ver a luz e trazer uma notícia que não é BOA nem RUIM – ela é terrível sempre pelo simples fato de ser verdadeira, pelo fato de vir lá de fora, lá do “mundo da luz”, do “mundo da verdade”, do mundo do “Desembargadooooooorrr...Uuuuuuhhhh - mas que vai ser trazida de volta para dentro da caverna para informar os demais prisioneiros de que tudo aquilo que eles tomam por real não passa de um mundo de sombras como na Grécia??
Será? Será que alguém faz isso no Brasil?
Nós vivemos na caverna, no mundo das sombras – são elas, as sombras da mentira, que nos dão a impressão de que somos solidários, caridosos, alegres, divertidos...que somos brasileiros, que somos gente do bem…
Vivendo na caverna, uma vez que outra, um de nós sobe em direção à saída de onde vem luz, vai lá pra fora e encontra um Desembargador que lhe pergunta: “sabe com quem você está falando rapaz? Eu sou a REALIDADE, eu sou o Desembargador!"
Volte lá para dentro da sua caverna e para seu mundo de sombras onde você pensa que existem Leis, onde você acredita em Justiça, Democracia, Urnas Eletrônicas, SUS, e outras bobagem que a gente aqui de fora fica projetando como sombras, como verdades que vocês assistem passar na parede da caverna em que estão presos...”
É só por isso que tantos brasileiros, ao mesmo tempo, estão com raiva do imbecil bolsofascista comedor de cloroquina: porque ele é a REALIDADE, ele é o “mundo fora da caverna” que poucos brasileiros podem enxergar…
Ah, mas e quando alguém sai da caverna no Brasil e enxerga a luz, Milton, o que ele faz?
Ora meu filho, esse alguém é brasileiro: quando ele sai da caverna, a primeira coisa que ele faz é NÃO VOLTAR nunca mais. Nós estamos no Brasil, não na Grécia! O brasileiro sai e não volta para contar nada para quem ficou dentro da caverna:
Ele vai para luz, torna-se “Desembargador”, e começa a projetar sombras nas paredes da caverna e para todos aqueles que ele abandonou lá dentro …pra sempre...
Porto Alegre, 20 de julho de 2020.
À memória de Raymundo Faoro (1925-2003)