OS INDESEJÁVEIS
 
Durante a ditadura Vargas (1930-1945) o chamado Serviço de Vistos do Itamaraty selecionava os imigrantes “desejáveis” que se encaixavam no projeto de “branqueamento” da população brasileira. Esta, segundo os varguistas, estava contaminada por negros, asiáticos, idosos, pessoas deficientes e outros grupos considerados “indesejáveis” pelo regime. Esse processo, segundo o historiador Fábio Koifman, da Universidade Federal Rural Fluminense, foi conduzido pelo Ministro da Justiça Francisco Campos e era praticado na surdina por funcionários diplomáticos que simplesmente negavam visto de entrada aos imigrantes que, segundo a ótica do regime, não interessavam ao país.  Esse controle intensificou-se quando a situação europeia se agravou com a guerra e a escalada do antissemitismo na Alemanha se tornou uma política oficial. Nessa época, judeus, ciganos e outros perseguidos políticos começaram a sair da Europa, gerando um aumento na demanda dos consulados dos países do continente americano. A política imigratória brasileira tomou essas medidas porque, como se sabe, Vargas simpatizava abertamente com a ideologia nazi-fascista e comungava do seu ideário eugênico. Tanto que, na Constituição de 1934, foram inseridos alguns artigos que contemplavam teorias racistas e eugênicas muito  em voga na época.  O artigo 138, que tratava da educação, é um claro exemplo disso.
Estamos agora experimentando o mesmo remédio amargo que a ditadura Vargas aplicou aos imigrantes. Os indesejáveis hoje somos nós, os brasileiros. Fico imaginando o que poderia ter sentido um negro, um japonês, um judeu, uma pessoa com deficiência quando se apresentava em um consulado brasileiro naquela época, solicitando um visto para entrar no Brasil. E transporto esse sentimento para o brasileiro de hoje, considerado indesejável em diversos países do mundo, em razão da situação que a pandemia do Covit 19 impôs ao mundo. É claro que os motivos são outros e até podem ser justificáveis do ponto de vista sanitário. Os países que elencaram os brasileiros como “indesejáveis” não o estão fazendo por motivos racistas, mas isso não alivia o constrangimento de não poder entrar neles pelo medo de que possamos contaminar os seus habitantes.
Talvez não tenha nada a ver, mas o fato é que isso acontece justamente com os países que politizaram a pandemia, fazendo dela um motivo de disputas políticas. Nesse rol estão justamente os Estados Unidos da América, cujo presidente zombou do perigo que a Covit 19 representava e o Brasil, cujo primeiro mandatário seguiu o mesmo caminho e tratou a pandemia como se fosse uma “gripinha” sem consequências. Hoje, mesmo diante da verdadeira tragédia que se abateu sobre o país, ele ainda continua a minimizar o problema, como se as mais de sessenta mil mortes que o vírus já causou fosse uma coisa banal. Vai ser difícil reverter a imagem que os nossos irresponsáveis dirigentes projetaram do Brasil lá fora. E seja qual for o motivo, existem sentimentos que nenhum ser humano gosta de experimentar. E sentir-se “indesejável” é o pior de todos eles.