Força Corona
O presidente Jair Bolsonaro acaba de ratificar, de formal cabal, um velho adágio popular: “Aqui se faz, aqui se paga”.
Ele tanto fez que acabou por ser infectado pelo novo coronavírus, o vírus que tanto menosprezou. Fomentou aglomerações, aboliu o uso da máscara em suas frequentes interlocuções com correligionários, chamou a pandemia de “gripezinha”, demitiu dois ministros da saúde que não concordaram com tais atitudes, emitiu decretos contra as medidas de isolamento social adotadas pelos governadores (que, felizmente, estão se portando como estadistas, ao contrário dele), entre outras atitudes que acabaram por gerar na imprensa séria um clima de repúdio unânime à sua posição, classificada por muitos como de um genocida (pelo fato de estar sendo um grande responsável pelas centenas de mortes diárias que a Covid-19 provoca hoje no Brasil). Sabe-se agora que Bolsonaro se aglomerou e interagiu com centenas de pessoas nos últimos 14 dias. Quantas delas ele infectou? Terá pelo menos consciência para refletir sobre isso?
Hoje, dia 08/07/20, após ontem ter sido confirmada a infecção do presidente pela Covid-19, Hélio Schwartsman, um respeitado filósofo e colunista da Folha de São Paulo, publicou em sua coluna um artigo intitulado “Por que torço para que Bolsonaro morra”, no qual explicita que a torcida é para que a doença nele evolua até a morte. A polêmica que causou tem a ver com o ousado título, que dá a impressão de que ele “quer” a morte do presidente. “Torcer” não tem nada a ver com “querer”. Você pode, por exemplo, num confronto entre uma pessoa de bem e um criminoso, em que as vidas de ambos estão em jogo, “torcer” pela morte do criminoso (como ocorre ao se assistir a um filme). Mas, se você próprio fosse a pessoa a confrontar o criminoso, e estivesse em vantagem sobre ele, você não ia “querer” matá-lo de fato. Portanto, o “torcer” tem uma conotação volitiva mais fraca do que o “querer”. Schwartsman poderia ter suavizado o título se o trocasse por “Por que torço para que o vírus mate Bolsonaro”, ou “Por que torço para que o vírus vença Bolsonaro”, o que explicaria melhor as coisas, sem causar susto a quem nem se dispõe a ler ou a tentar entender o artigo.
O argumento de Schwartsman ancora-se numa corrente filosófica, o consequencialismo, que, para melhor entendimento, pauta-se pelo adágio atribuído a Maquiavel, injustamente defenestrado por isso, segundo o qual “os fins justificam os meios”. Assim, um determinado ato ou acontecimento imoral seria justificado se provocasse uma consequência benéfica. Logo, pelo fato de Bolsonaro, com suas atitudes irresponsáveis, provocar milhares de mortes, estas seriam poupadas se ele morresse. Pelo fato de Bolsonaro ser um líder mundialmente conhecido, justamente por sua posição polêmica em relação à pandemia, sua morte teria também um impacto mundial, salvando milhares de outras vidas mundo afora. “O presidente prestaria na morte o que foi incapaz de ofertar em vida” (frase no artigo).
Daí a torcida de Schwartsman, que, segundo disse, nada tem de pessoal contra Bolsonaro. Há, para reforçar o argumento, uma tese moral filosófica que vicejou no passado, segundo a qual o assassinato de um governante excessivamente cruel ou incompetente que trouxesse danos irreparáveis ao país e ao povo seria moralmente defensável. Assim pensaram os senadores romanos que assassinaram Júlio César. Ou alguns alemães próximos a Hitler, que, durante a Segunda Guerra Mundial, ao perceberem que lidavam com um megalomaníaco, planejaram um atentado para assassiná-lo, mas não tiveram êxito (se tivessem tido, teriam poupado milhares de vidas perdidas na guerra).
Outro fato que absolve e legitima Schwartsman é que ele apenas trouxe à luz o que muitos, provavelmente, estão ocultamente desejando, mas sem coragem para expressá-lo. Assim, muitos dos que o criticam podem estar sendo, na verdade, hipócritas. Prova-o o surgimento de um movimento espontâneo e avassalador nas redes sociais chamado #ForçaCorona, desejando sorte ao vírus para que abata o presidente.
Entretanto, não torço para a morte do presidente. Torço para que ele, agora, reconheça seus erros e torne-se de fato o presidente equilibrado de que o país tanto precisa.