Por uma cultura de conservação e manutenção
Por uma cultura de conservação e manutenção
Alexandre Santos (*)
Um olhar mais atento sobre os edifícios da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, seja de forma presencial ou pela televisão, leva as pessoas a perceberem as fachadas sujas e rachadas, como se, marcados por cicatrizes do tempo, eles [os edifícios] estivessem mal cuidados e, abandonados, fadados à precoce condição de degradação e ruína. Embora não indiquem ainda comprometimento estrutural, aquelas mazelas [sujeiras e rachaduras] dizem muito do desrespeito dedicado pelas autoridades à conservação das edificações, mesmo àquelas que integram o patrimônio histórico e artístico do país.
Não sei se este descaso [com as edificações] decorre da preocupação preponderante com o 'fazer' (onde muito há por construir, o 'manter' ganha menor destaque), [se decorre] da exiguidade de dinheiro (e, consequente, demanda reprimida por coisas novas) ou [se decorre] de outros fatores. O fato é que, no Brasil, a manutenção e conservação das coisas nunca recebem prioridade, estando sempre relegadas a segundo plano. Aliás, tendo sempre algo novo por fazer ou por comprar, dificilmente, os brasileiros reservam dinheiro para investimentos na manutenção e conservação das coisas. Até mesmo as manutenções corretivas costumam ser feitas com má vontade. Esta é a razão, por exemplo, de lâmpadas não serem trocadas até queimarem.
Como não poderia deixar de ser, o desprestígio dedicado pelos brasileiros à manutenção e à conservação contamina as organizações e, obviamente, atinge o poder público, o qual, via de regra, não reserva qualquer rubrica ou verba regular dos Orçamentos para aqueles fins [conservação e manutenção]. Não é outra a razão de os edifícios públicos, estradas, obras d'arte, monumentos e equipamentos atravessarem os tempos sem os cuidados adequados correspondentes a cada estágio da respectiva vida útil, impondo-lhes um gradiente de degradação, que pode levá-los à inutilidade prematura. Aliás, a manutenção preventiva é prática raríssima, costumando ocorrer apenas quando há exigências legais ou contratuais.
É nesta perspectiva que muitos Estados e municípios brasileiros adotam leis que, com eficácia questionável, obrigam a vistoria periódica e a manutenção preventiva de obras de engenharia. Aliás, como envolvem recursos vultosos e, naturalmente, significativos custos de oportunidade, estas leis [de vistorias e manutenção] costumam mobilizar sentimentos corporativos contrários e enfrentar grande resistência. De fato, além da preferência cultural pela construção de 'obras novas', de um lado, administradores de índole liberal - que, por convicção política, ojerizam qualquer restrição à sua liberdade de estabelecer as prioridades e uso dos recursos - e gestores financeiros contidos por orçamentos limitados - que, por necessidade objetiva, odeiam qualquer obrigação de fazer - [uns e outros] têm motivos para não gostar de leis que predeterminam a aplicação de verbas e possam constituir sorvedouro de dinheiro. De outro [lado], pelo seu potencial de mobilizar fortunas, de gerar grandes negócios e de criar expressivo número de empregos, as leis de vistorias e manutenção despertam 'inveja' nos outros setores econômicos, inclusive na engenharia construtiva, os quais, nos termos da competição prevalecente, estão sempre ávidos por qualquer tostão. De qualquer forma, por estas e outras razões, colocadas sob alças de mira precisas e desdenhadas pela apatia de setores alheios a sua importância, as leis de vistorias e manutenção periódica costumam enfrentar o lobby contrário de poderosos interesses comerciais.
Esta, talvez, seja a razão de, ao invés de se referir a todas as obras de engenharia, as leis de vistorias e manutenção em vigor no País terem sempre aplicação limitada. Umas se aplicam apenas a edifícios residenciais, outras [se aplicam] apenas a tipos específicos de edificações, outras, ainda, [se aplicam] a marquises, estádios e arenas esportivas. Nenhuma obriga a vistoria e manutenção periódica de todos os tipos de obras públicas e privadas, incluindo estradas, estações e equipamentos. Pudera! Além do receio do impacto financeiro causado pelas obras e serviços necessários ao reparo das falhas eventualmente apontadas, uma vez que os custos de recuperação crescem exponencialmente a cada cinco anos segundo os especialistas, os gestores públicos e privados temem que, se estendida a 'todas as obras de engenharia', a lei termine por denunciar problemas próprios dos sistemas construtivos ou por realçar a necessidade de obras ainda não construídas, evocando assuntos incômodos, como o déficit habitacional, a rarefação das linhas logísticas, insuficiência dos equipamentos de produção e distribuição de energia, etc. e, nesta esteira, lhes cobre responsabilidades não cumpridas. De qualquer forma, à despeito de tudo isto, nos é lícito sonhar com a instalação e consolidação de uma cultura de conservação capaz de motivar pessoas e organizações a cuidarem das coisas de modo que, até a sua substituição por 'algo melhor', elas [as coisas] possam manter a funcionalidade e a boa aparência.
Que, um dia, os equipamentos e prédios públicos e privados não sejam marcados por mazelas próprias do descuido e do desleixo, como hoje ocorre, por exemplo, com a sede do ministério da Educação, na Esplanada do Ministérios, em Brasília.
(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco