TRILOGIA DO IMPEACHMENT

Em 1964, o advogado e professor Paulo Brossard (1924-2015) defendeu sua tese de doutorado. À luz da Constituição de 1946, mostrava a inaplicabilidade do impeachment para crimes de responsabilidade. Tinha razão o autor, diante das três graves crises políticas que colocaram fim ao regime democrático da época. Tentaram abrir processo de impeachment contra Getúlio Vargas, em maio de 1954, depois houve campanha pela sua renúncia e o presidente se matou em agosto. Em 1961, a renúncia do presidente Jânio Quadros provocou um impasse com os três ministros militares que se recusavam a aceitar a posse do vice-presidente João Goulart. O compromisso do parlamentarismo com Tancredo Neves, como primeiro-ministro, durou poucos meses. Houve a troca de chefe de governo e a antecipação do referendo sobre sistema de governo. A vitória do presidencialismo colocou forças antagônicas em violenta rota de colisão. O presidente da República defendeu o estado de sítio, convocou manifestação em frente ao Quartel General do Exército, no Rio de Janeiro, e pregou a defesa de reformas em grave enfrentamento institucional com o Congresso Nacional. Seus áulicos chegaram a pregar o fechamento do parlamento, com consequente derrogação dos mandatos e a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva e popular. Tudo isso aconteceu entre outubro de 1963 e março de 1964, quando não havia maioria qualificada para aprovar o impeachment de João Goulart.

Após a redemocratização do país e os trabalhos constituintes, veio à luz a Constituição de 1988. O ex-senador Paulo Brossard era ministro da Justiça do governo José Sarney e, posteriormente, foi indicado para ministro do STF. Em 1992, relançou sua tese de doutorado, em forma de livro, com atualizações referentes à nova Carta Magna. Manteve a conclusão original. Entretanto, um ponto de destaque chama a atenção. O impeachment pode ser utilizado como voto de desconfiança, pelo Congresso Nacional, para retirar o presidente que perde as condições de governar o país. Diante desta hipótese, os dados empíricos podem confirmar ou refutar a ideia lançada por este gaúcho, convicto parlamentarista e especialista em Direito Constitucional.

O presidencialismo de coalizão, termo criado pelo cientista político Sérgio Abranches, foi recriado pela Constituição de 1988 e, posteriormente, confirmado pelo plebiscito de 1993. O presidente Fernando Collor foi eleito na eleição de 1989. O confisco da caderneta de poupança e a posterior volta da inflação minaram sua popularidade. Em janeiro de 1992, jogou sua última cartada. Uma reforma ministerial convocando pessoas qualificadas para formar um ministério de alto nível. Entretanto, a avalanche de denúncias de seu irmão provocou um redemoinho político. Havia sobras de campanha, recursos na mão do ex-tesoureiro PC Farias. A maquiagem da Operação Uruguai para encobrir os fatos foi desmontada. Durante a CPI, a compra de um carro particular (com cheque nominal) foi descoberta. Isso foi usado como prova para o impeachment. Seu chamado, para não ser deixado só, levou as pessoas a vestir preto em protestos nas ruas.

O presidente da República é chefe de Estado e chefe de governo no presidencialismo. Não há separação de poderes como ocorre em países parlamentaristas. Não há possibilidade de trocar o governo ou convocar novas eleições, saídas constitucionais dentro das regras do jogo. No presidencialismo, o impeachment é a última opção. A crise de governo pode se transformar em crise de regime, como em 1964.

A desconstrução da legitimidade do poder é mostrada pela mídia e a construção de narrativa contra o presidente pode ser fatal, como ocorreu nos Estados Unidos com Richard Nixon, no Escândalo Watergate. A crise política aliada com crise econômica, recessão e desemprego agrava a probabilidade de o presidente não terminar o mandato. A renúncia é a única opção pessoal, diante da inevitabilidade de ser removido do cargo.

As crises no Brasil, em ano de eleição municipal (1992, 2016 e 2020), ocorrem com forte recessão econômica e desemprego em alta. Queda contínua de popularidade do supremo mandatário com corrosão na confiança. Em 1992 e 2016, dados empíricos de pesquisas de opinião pública mostravam aprovação do presidente (ótimo/bom) na faixa de 10%, enquanto a desaprovação (ruim/péssimo) na faixa de dois terços dos eleitores. A cúpula da Câmara dos Deputados é para cima para ouvir a opinião pública. A cúpula do Senado Federal é para baixo para refletir sobre o interesse da federação. A perda de confiança por parte do Congresso Nacional faz o processo ser deflagrado, apenas com a certeza do resultado em ambas as casas legislativas. O impeachment tornou-se um voto de desconfiança, como no parlamentarismo, hipótese de Paulo Brossard. Agora, em 2020, a autorização para o julgamento por crime comum, perante o STF, seria algo inédito. Assim como a cassação da chapa pelo TSE.