Poder Moderador
O suíço, naturalizado francês, Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), autor do livro Principes de Politique (1815), influenciou a elaboração da Constituição de 1824, no tocante ao regime, forma e sistema de governo: o Poder Moderador (monarca que é chefe de Estado e mantém algum poder de influência no governo), ao lado dos poderes executivo, legislativo e judiciário. A constituição brasileira reproduz vários parágrafos do “Esboço de Constituição”, apresentado por Benjamin Constant em seu Cours de Politique Constitutionnelle, havendo duas das principais características da função constitucional do Imperador e sete de suas nove atribuições.
Segundo o historiador José Murilo de Carvalho, a preocupação de Benjamin Constant era evitar tanto o absolutismo do Antigo Regime quanto o despotismo do jacobinismo revolucionário. Diante do absolutismo dos reis (ou de Napoleão), que absorvia todos os poderes, e diante do despotismo da Convenção, que tendia na mesma direção, ele propunha a criação de um poder que fosse ponto de equilíbrio e juiz dos outros poderes.
No Brasil, o Primeiro Reinado (1822-1831) terminou com um impasse entre o parlamento e D. Pedro I, que queria manter o gabinete de “portugueses” e não aceitava o gabinete de “brasileiros”. Ficaria com poder limitado e sem ação no governo, no que o constitucionalista francês Maurice Duverger (1917-2014) classificaria como governo de coabitação, em sua análise sobre a Quinta República (1958), no livro Échec au roi (1978). D. Pedro I estava desgastado politicamente pela derrota na Guerra Cisplatina (1825-1828) e pelo custo da fracassada empreitada militar. Fatos que afetaram a popularidade perante a Corte no Rio de Janeiro, forçando sua abdicação em abril de 1831.
As várias revoltas provinciais, durante o Período Regencial (1831-1840), precipitaram a antecipação do início do Segundo Reinado (1840-1889), antes de D. Pedro II completar a maioridade. Segundo a Constituição de 1824, o Poder Moderador era a chave de toda a organização política. O Imperador, como chefe supremo da nação, deveria velar pela independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes. Entre as atribuições estavam nomear senadores (para o Senado Vitalício), convocar a Assembleia Geral, sancionar os decretos e resoluções da Assembleia Geral, aprovar ou suspender resoluções dos conselhos provinciais, prorrogar ou adiar a Assembleia Geral, dissolver a Câmara dos Deputados e convocar novas eleições, nomear e demitir ministros de Estado, suspender magistrados, perdoar ou moderar penas impostas (comutar pena de morte) e conceder anistia.
Durante um largo período, até 1870, D. Pedro II reunia-se com o gabinete ministerial às quartas e sábados. Era a época do rei, reina e governa. Havia interferência nos poderes executivo, legislativo e judiciário. Como a Monarquia era unitária, a nomeação dos presidentes de província passava pelo governo central. Após o término da Guerra do Paraguai (1864-1870), a morte da filha Leopoldina (1847-1871) provoca uma transfiguração em D. Pedro II. Ele viaja para a Europa como o pai perdeu a filha e volta como o avô que vai cuidar dos netos. Ocorria assim a primeira das três regências da Princesa Isabel. Depois, D. Pedro II passa a fazer reuniões apenas aos sábados com o gabinete ministerial e várias das atribuições são delegadas ao primeiro-ministro. Assume, assim, a figura do supremo magistrado da nação. Em 1889, ele envia comissão aos Estados Unidos para analisar o funcionamento da Suprema Corte e o mecanismo de freios e contrapesos entre os poderes. Não houve tempo de vingar sua proposta de abolir o Poder Moderador e passar a função nos moldes acima citados.
Por um lado, D. Pedro II não exerceu os poderes de chefe de Estado de maneira neutra como previa Benjamin Constant, pois interferia muito nos outros três poderes até 1870. Por outro lado, o Imperador dissolvia a Assembleia Geral, convocava eleições e provocava a alternância de poder. Com a República, o Exército assume o Poder Moderador, mas para provocar a mudança de regime (1889 e 1930), assim como impedir a realização de eleições presidenciais: não houve eleição em 1938, após o golpe do Estado Novo (1937); assim como em 1965, após o golpe de 1964.
Com a Constituição de 1988, o papel do STF é de arbitrar os conflitos entre os três poderes, mas sem prerrogativas de dissolver o Congresso Nacional, convocar eleições ou provocar a alternância de poder. O atual desgaste do STF decorre do fato de que deve arbitrar os conflitos, mas não pode solucionar graves impasses políticos pela via eleitoral. Tampouco as Forças Armadas, pois estão limitadas pelas atribuições do artigo 142 da Constituição Federal, assim como quando convocadas nos casos de Garantia da Lei e da Ordem, do Estado de Defesa e do Estado de Sítio.