Vidas negras importam!

A vida negra também importa. Ter que afirmar isso deveria ser, no mínimo, absurdo. Afinal, qual vida humana não importa? O problema é: quem é humano? O que é considerado humano? Melhor dizendo, por que a vida negra é tratada como menos valiosa? Por que vidas, raças, classes, orientações sexuais diferentes da hegemonia são marginalizadas. Aliás, negro é minoria? Somos descendentes de negros, todos nós. Se não diretamente, mas a miscigenação está presente. Queira o racista ou não. Fomos miscigenados da pior forma possível, através do estupro colonial. A negra era obrigada a ter relações com o Senhor de Engenho. O filho? Ah, iremos chamá-lo de mulato, da etimologia de Mula, isso mesmo, o animal Mula, o híbrido estéril.

Com o fato de dizer que somos descendentes de negros, não quero ferir a identidade negra, que a partir dela, a luta contra o racismo pode se organizar por pautas e conquistas. Não tomando para mim uma identidade que não é minha, afinal nunca irei sofrer racismo, mas somos parte dessa briga, pois somos humanos. A luta contra o racismo é uma questão humanitária. Longe de tentar “embranquecer” a luta, e por isso a deixar legitima, o racismo deveria doer em todos os que dizem humanos. Afinal, o racismo desumaniza o que já é humano.

É inevitável não falarmos dos casos recentes, e apesar de servir de gatilho, precisamos ter em mente que não são casos isolados, não são casos à deriva. Isto acontece ao nosso lado e não percebemos, ou não queremos perceber… Grafite, Daniel Alves, Tinga, o goleiro Aranha, todos sofreram de racismo no exercício de sua profissão. Sempre que isso acontece, o debate torna-se público, notas de repúdio são feitas, o “somos todos macacos” é adotado. Uma semana depois, a causa é esquecida, os debates se esfriam, os jogos voltam, a torcedora do Grêmio que bradou ao goleiro Aranha é apresentada na delegacia nos jogos do Grêmio e tudo passa, assim como as ondas de Tim Maia. Um carro é alvejado por 80 tiros por engano, uma casa por 72 tiros, ceifando vidas negras, que talvez não importem muito… Assim como em “de frente pro crime” de João Bosco os silêncios servem de amém ao racismo. Assim seja! Afinal, a vida negra importa mesmo? É normal que um homem, imobilizado, seja asfixiado? É normal que a polícia do Rio de Janeiro alveje uma casa, e suma com o corpo da criança, como se ela não tivesse uma identidade, família, uma história, um sonho, dignidade, humanidade. Eles são mesmo gente?

É notório que a violência presenciada nos protesto não são, nem de longe, um caminho para a resolução do problema. Mas e a violência do silêncio? Nos calar nesses momentos é assumir uma postura condizente com o que acontece, é reverberar e ajudar na propagação do racismo. Não se nasce racista, mas aprendemos a ser. Quando achamos normal a “cor de pele” ser a bege, quando chamamos o cabelo crespo de ruim, quando ensinamos nossos filhos a terem medo de alguém pela cor da pele, quando, em comentários, a escolha de uma âncora negra é atribuída a um favor sexual, e não profissionalismo, quando não estudamos a África, além dos problemas sociais. Não, o continente africano não é só fome e miséria, eles têm arte, religião, cultura, passado, história.

Qual será a próxima vítima de um “erro de protocolo’ da polícia? Por que o “erro” não acontece no Leblon? Até quando essas perguntas precisarão ser retóricas? A vida negra também importa, mas o que podemos fazer para isso ser, de fato, respeitado? Hoje é mais um dia triste na humanidade.

Em memória de todos os negros assassinados pelo racismo.

Em solidariedade a todos os negros que não conseguem respirar.