Brasil ferroviário: estranho e dispendioso arquipélago

Lição da débâcle rodoviária - ameaças e oportunidades

Alexandre Santos (*)

No dia 21 de maio de 2018, sem suportar a escalada vertiginosa dos preços do óleo diesel ocorrida nos últimos dois anos, os caminhoneiros iniciaram uma greve geral, em movimento de âmbito nacional que, além de dobrar o frágil governo de Michel Temer e desnudar detalhes obscuros da política de preços implantada por Pedro Parente na Petrobrás, realçou o quão refém o Brasil é do transporte rodoviário. De fato, sem qualquer alternativa logística, a paralisação dos caminhões levou, rapidamente, o sistema de abastecimento ao colapso, imobilizando o País de ponta a ponta com graves consequências para os serviços públicos, atividades econômicas e cotidiano das pessoas, dando margem para todo os tipos de ilações políticas, inclusive pregação e apologia ao militarismo.

Como em todas as crises, o episódio deixou muitas lições, não só de caráter político, mas, também, [de caráter] econômico, como, por exemplo, a necessidade de o Brasil investir em outros modais de transporte, libertando-se do grilhão monomodal que o acorrenta hoje. Alias, a insuficiência de sistemas de transportes complementares e alternativos, especialmente aqueles sobre trilhos, vem sendo objeto de acaloradas discussões desde o governo do senhor Fernando Henrique Cardoso, quando foi decretada a morte da antiga Rede Ferroviária Federal SA e o setor [foi] entregue ao Deus-dará. O problema, na realidade, vem de mais longe e decorre da opção equivocada de sucessivos governos federais, que, acolhendo o lobby da indústria automobilística, deixou o sentimento rodoviário tomar conta do País, confinando poucas locomotivas e vagões em malhas rarefeitas e (por conta das bitolas diferentes) isoladas umas das outras, como se o Brasil fosse um imenso arquipélago.

Reconhecendo que aquelas autoridades cometeram sérios enganos - pois, sendo país costeiro e continental, para internalizar insumos, escoar a produção e ampliar fronteiras econômicas, o Brasil precisa contar com robusta infraestrutura de transportes e, nesta perspectiva, de densa malha de rodovias, ferrovias, hidrovias, aerovias, gasodutos, além de portos, aeroportos, terminais articulados e interligados - e assimilando as lições deixadas pela recente imobilização das rodovias, qualquer observador minimamente preocupado com o crescimento econômico e desenvolvimento social do País conclui que o governo brasileiro precisa investir na infraestrutura logística multimodal. O confronto do mapa logístico do País com aqueles representativos dos EUA e da Europa, destaca o deserto a ser preenchido, apontando o tamanho da tarefa pela frente. Há muito o quê fazer - uma condição que, por si só, insinua a grande oportunidade econômica implícita na tarefa. De fato, a construção da infraestrutura necessária ao reflorescer do Brasil pode estruturar um modelo de crescimento econômico e recolocar o país no caminho da prosperidade. De sua parte, mesmo combalida, a competente engenharia nacional tem condições de projetar, construir e operar o aparato logístico capaz de dar suporte ao esforço econômico do País e livrá-lo, definitivamente, do risco de desabastecimento pela paralisação de um único modal existente.

31 de maio de 2018

Brasil ferroviário: estranho e dispendioso arquipélago

Entre os diversos aspectos nos quais o Brasil se destaca como mau exemplo está o transporte ferroviário – considerado mundialmente o segundo mais barato, atrás, apenas, do modal aquático.

A extensão e densidade da malha ferroviária do Brasil – um país costeiro e, ao mesmo tempo, continental, com mais de 8,5 milhões de km – é ridícula, especialmente se considerarmos que o conjunto das linhas em funcionamento não alcança sequer 25.000 km e, ainda que, por conta das diferentes bitolas, as estradas de ferro não se interligam. Infelizmente, do ponto de vista ferroviário, o Brasil é um dispendioso e rarefeito arquipélago, com malhas rarefeitas e isoladas. Isto, naturalmente, tem uma razão de ser, pois, se, de um lado, a pequena extensão das linhas férreas é fruto do bem sucedido lobby da indústria automobilística, de outro, a variedade de bitolas que impede o diálogo das ferrovias, fazendo de cada trecho a parte de um todo desconexo, é fruto de um equívoco estratégico do governo da União.

Em alguns países, o transporte de cargas à distâncias que ultrapassam certo parâmetro – 600 km na maior parte dos casos – é obrigatoriamente feita por via férrea ou aquática. Desta forma, além de baratear a produção e o consumo pela redução do custo de transporte, os modais mais econômicos são estimulados.

No Brasil não há este cuidado.

A despeito das dimensões continentais do país, o transporte ferroviário parece alvo de campanha de desmonte com claro objetivo de inviabilizá-lo como alternativa ao transporte rodoviário e elemento de integração nacional. Ao que parece, jamais o governo cogitou interligar o país por ferrovias, usando ou deixando usar a farra de bitolas como estratégia para impedir que uma mesma composição possa circular pelo País.

Mas, isto é apenas parte de um problema que envolve, além da desconexão, a distribuição geográfica e a extensão das linhas. Seguramente, quando, em 1854, inaugurou o transporte ferroviário no Brasil, percorrendo os 14,5 km da estrada que ligava a praia de Estrela ao Fragoso, no Rio de Janeiro, o Barão de Mauá não tinha sonho tão acanhado. Talvez, no início, ao apontar a construção de 1.000 km de estradas de ferro nos primeiros vinte anos, até tenha ficado entusiasmado.

Mas, como diriam os mais antigos, o arranque inicial foi ‘fogo de palha’.

Na realidade, além de ter crescido pouco – muito menos do que recomendam a extensão territorial e o potencial econômico do País – a malha diminuiu. Depois de ter chegado a 29 mil km em 1922, no centenário da independência, e alcançado 34,207 mil km nos tempos da estatal REFFESA, por não merecer destaque na escala de prioridades do governo, especialmente a partir da década dos 80, a ferrovia brasileira foi sucatada e refluiu. Hoje, mal conservada, a ferrovia brasileira não alcança 25 mil km (dos quais, só 1,12 mil km eletrificados), estando presente em apenas 22 Estados.

É preciso acordar a Nação para o problema. Mesmo que – talvez por estar absorvida pelos afazeres do dia-a-dia e anestesiada pela distração fácil permitida pelos meios de comunicação – não se sinta estimulada à discussão dos grandes temas nacionais – entre os quais desponta a integração ferroviária do País –, a sociedade brasileira não pode ficar alheia ao descaso com o transporte ferroviário, pois sua débâcle a impede de desfrutar menores custos produtivos e, portanto, preços mais baixos.

É hora do governo dedicar maior atenção ao transporte ferroviário, considerando-o um instrumento econômico de barateamento dos custos produtivos e, também, um elemento estratégico de integração nacional..

20 de agosto de 2009

(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural