O que é um conservador?
Homens de disposição conservadora
Reconheço que não é tarefa fácil definir este termo, isto é, o que é um conservador? Especialmente porque, comparada às outras ideologias, as ideias conservadoras não são tão atraentes, excitantes, empolgantes; em outras palavras, elas não cativam multidões. No geral, tanto o revolucionário quanto o reacionário - por prática e desejo incessante em satisfazer os seus delírios- falam muito bem às pessoas com seus discursos condecorados, cheios de promessas, beleza e ternura, dizendo: vamos acabar com isso, vamos acabar com aquilo. O seu principal objetivo é convencer essas pessoas de que a verdade reside ali, em seus lábios.
Um conservador tem uma posição um tanto mais cética - e diferente dos utópicos - realista. Como bem ensaia Scruton:
"Sua posição é verdadeira, mas enfadonha; a de seus oponentes é excitante, mas falsa".
Mas, ainda assim, o que é um conservador? Encontraremos muitas definições de conservadorismo, até porque, como alguns sabem, não existe conservadorismo, existem conservadorismos, como bem ensaia João Pereira Coutinho. Uma das definições que mais me cativaram pelos meus caminhos de leitura, foi a de Oakeshott, quando diz que o conservadorismo é uma "disposição", isto é, um movimento natural. Essa disposição natural colocará o conservador com os pés bem firmados no chão, portanto, dentro da realidade; essa disposição conservadora impedirá que o conservador delicie-se com flagrâncias mentirosas, enganosas. O conservadorismo mantém o seus adeptos dentro da realidade, observando o mundo como ele é, diferente dos utópicos, que perdem-se em imaginar como ele poderia ser, como discorre Oakeshott:
"Ser conservador, então, é preferir o familiar ao desconhecido, o testado ao nunca testado, o fato ao mistério, o atual ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, o riso presente à felicidade utópica"
Mas não podemos confundir essa posição conservadora com uma conformista, pois, diferente do conformista, o conservador é adepto às mudanças, desde que essas mesmas mudanças sejam paulatinas, úteis, benéficas e, como seu último estágio, sobrevivam aos testes do tempo.
Sobrevivendo aos testes do tempo
Como já notamos, diferente do revolucionário e do reacionário, o conservador não esta movido por uma utopia, não esta pensando que o mundo seria melhor se fosse de outra forma, de outra maneira. O conservador esta pensado que o presente é repleto de cadeias que funcionam, e que, devido sua utilidade e beneficência, devem ser preferíveis às utopias propostas. Edmund Burke, considerado por muitos o pai do conservadorismo, acreditava que existia um elo entre os que passaram, os que existem e os que estão por nascer, ou seja, uma sociedade não ergue-se repentinamente, não é edificada com o nosso nascimento. Antes de nós, outras pessoas frequentavam as mesmas ruas, as mesmas praças. Uma sociedade é herdada, portanto, junto com ela o seus valores, costumes, características; é nesse sentido em que Burke estabelece essa união. Pensar na nossa sociedade, é pensar que ela já foi de alguém, portanto, têm algum valor. Scruton discorre muito bem quando diz:
"O conservadorismo advém de um sentimento que toda pessoa madura compartilha com facilidade: a consciência de que as coisas admiráveis são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas".
Além de possui um valor imensurável para os antepassados, e para nós, que vivemos o presente, essa sociedade também será de alguém: nossos filhos, netos, entre outros. Os utópicos parecem não lembrar-se disso, apenas desejam mudar toda estrutura social pelo que acham certo, digno - fato pelo qual Burke teceu inúmeras críticas à revolução francesa.
Essa mudança paulatina - que é preferível chamar de reforma - custará um preço à geração, residindo em todos os espaços. Como saber se uma alteração ou reforma perdurará? Ela precisa passar por algo que fará com que ela coexista, isto é, o próprio tempo. O que é desejado pela sociedade, a ponto de não ser negociável em permuta alguma, normalmente é um valor, costume, prática cara àquela geração, e o que mantém esse valor de pé, o que o tornou tão intrínseco à sociedade, foi o próprio tempo. O tempo encarregar-se-á de promover reformas prudentes para o bem de todas ramificações sociais, retirando tudo o que não é agradável, desejado, benevolente e útil. Nesse sentido, a jornada dos utópicos parece realmente algo incerto, lutar para promover uma alteração que não há como saber se coexistirá, se não morrerá pelo teste do tempo. Uma revolução cobra um preço caro, tão caro que não pode ser pago pelo indivíduo mais abastado do mundo, sem que, para quitar sua dívida, ele sofra; uma revolução custa sangue. Ser conservador é reconhecer que o tempo é caro demais para entregar aos utópicos o que levaram-se anos para edificar.
Imperfeição Humana
Lembra-te de que tu és mortal, este é um conselho muito sábio. Não quero limitar-me à simples crítica ao pensamento humano, mas quero demonstrar que houve um certo rompimento com a humildade, sobretudo após o iluminismo, quando o homem descobriu que poderia caminhar com os próprios pés. "O século das luzes" deu mais voz ao racionalismo, que como bem coloca Oakeshott, representa uma subversão da razão. Existe uma crença nas utopias de que os problemas do mundo podem ser resolvidos pelo simples uso da razão, nesse sentido, os problemas mais complexos e variados da existência humana podem ser solucionados por meras "equações". A origem de todos os males? Burke recorrerá à revolução francesa. Uma das principais causas da revolução francesa, no que concerne à concepção de direitos naturais, foi a liberdade. O exame que Burke faz do termo, em abstrato, é suficiente para compreender um dos problemas da sociedade da revolução, se confiarmos puramente no racionalismo. Ele diz:
A liberdade é, sem dúvida, em princípio, um dos grandes bens da humanidade; no entanto, poderia eu seriamente felicitar um louco que fugiu de seu retiro protetor e da saudável obscuridade de sua cela, por poder gozar novamente da luz e da liberdade?
Podemos notar que a crítica de Burke é feita às abstrações resididas em termos complexos, isto é, a liberdade, por si mesma, é benéfica? Todos podem gozar de liberdade? Pelo que lutaram os revolucionários? Por termos abstratos.
A imperfeição humana é algo intrínseco ao pensamento conservador, pois não podemos conceber os homens como anjos, somos dotados de imperfeições, erros, falhas, mas isso é elementar à nossa natureza, e cabe ao próprio homem corrigir esses erros, endireitar seus caminhos.
A política do ceticismo
Um dos conceitos que agradam-me intensamente no conservadorismo, sobretudo em Oakeshott, é o ceticismo. Em seu livro "a política da fé e a política do ceticismo, ele descreve as contingências do ceticismo da seguinte maneira:
"Em termos gerais, trata-se da política da impotência, o estilo e hábito de governar apropriados para circunstâncias em que o governo dispõe apenas de poucas oportunidades para dirigir as atividades de seus governados".
Em outras palavras, Oakeshott não vê o povo sob uma ótica paternalista, como pessoas que precisam do poder indiscriminado do Estado para suas conquistas. Nós vemos em Oakeshott uma sociedade mais livre, que não vê o erro como um pecado capital, mas como algo atrelado à natureza humana, isto é, eu quero o estado me deixe em paz, quero poder errar e aprender com isso. Mas o ceticismo não é a única coisa que Oakeshott descreve com habilidade; não posso furtar-me a descrever sua definição sobre a política da fé, nas palavras dele:
"Na política da fé, a atividade de governar se encontra a serviço da perfeição humana; a própria perfeição é entendida como uma condição mundana das circunstâncias humanas, sendo que sua realização depende do esforço humano".
Na política da fé, pelo que descreve o autor, nós não conseguimos observar um grau de autonomia. O Estado e seus governantes são os mais bem instruídos, capazes de levar-nos à perfeição ou pelo menos ao que é desejado:
"A função do governo consiste em dirigir as atividades de seus governados, seja para que contribuam com os aprimoramentos que, por sua vez, convergem para a perfeição, ou (em outra versão) para que se ajustem ao padrão imposto".
O cético político é aquele recusa o ideal de perfeição pelo simples exercício do racionalismo, e portanto, toda mudança que conduza à mesma formulação, isto é, somos imperfeitos e não há indivíduo ou Estado que possa mudar isso.
O vínculo à sociedade comercial
Por não ser definido como uma ideologia política - ou pelo menos como evitam os autores - o conservadorismo não possui uma cartilha, ou seja, para ser conservador você deve concordar com isso. O que existem, como já disse, são conservadorismos, o que caracteriza a disposição ou atitude conservadora em política, são algumas características em comum. Por que digo isso? Pois existem autores conservadores que são anticapitalistas. Contudo, passeando pelo passado, podemos notar um vínculo entre Burke e Adam Smith, considerado o pai do liberalismo. Para se ter uma ideia, Adam Smith chegou mesmo a dizer que, com um certo tom de exagero, que Burke foi o melhor leitor que compreendeu suas idéias. Contudo, como podemos estabelecer algo em comum entre o conservadorismo e o liberalismo, no que concerne ao mercado? A questão é filosófica, eu diria. O conservadorismo é um forte defensor dos direitos naturais, liberdade, propriedade privada, entre outros. Nesse sentido, ele casa com o liberalismo, mas não somente pelo fato de concordarem - seria simplista demais - mas pelo que compreendem estar oculto nessas relações, uma ordem espontânea. No próprio livro "reflexões sobre a revolução na França", já podemos notar duras críticas de Burke no que concerne ao confisco de bens por parte dos romanos:
"É para mim impossível elogiar esses atos de tirania que, malgrado suas cores falsas, nunca foram até hoje defendidos por ninguém"
Notamos, portanto, que ferir ou impedir, de modo arbitrário, o livre mercado é o mesmo que ferir a ordem espontânea que está vinculada às relações. Os interesses e as necessidades, portanto, norteiam essas relações, como dizia Smith:
"Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que ele têm pelos próprios interesses. Apelamos não à humanidade, mas ao amor-próprio, e nunca falamos de nossas necessidades, mas das vantagens que eles podem obter". Adam Smith
Notamos que existe esse vínculo desde os primórdios do conservadorismo, se reconhecemos Edmund Burke como o pai dessa filosofia de pensamento. Mas, como já disse anteriormente, o fato de não ser definido, necessariamente, como uma ideologia política o afasta dessas das definições de cartilhas, se é uma filosofia ou um movimento de reação, há mais elasticidade quanto às decisões em âmbito comercial - apesar de pensar particularmente nisso como uma antagonismo.
Conclusão
Espero ter esclarecido que o conservadorismo não está limitado ao campo político, antes de tudo, ele é uma disposição, uma filosofia, um modo de ser. O seu exercício em política é notório frente às ameaças que os valores, costumes e conquistas herdadas pelos nossos antepassados, recebem das utopias revolucionárias e reacionárias. O conservador é aquele que perguntará: por que devemos mudar? O conservador entende que o exercício da política não está limitada ao presente, mas que existe um determinado elo entre os mortos, os vivos e os que virão, portanto, o que faço hoje não prejudicará apenas minha sociedade; o que faço hoje pode mudar tudo para sempre. O conservador não encara a imperfeição humana como algo negativo, mas como um norte para manter-se de pé, dizendo: será que este político, de fato, pode conduzir nossa sociedade ao bem-comum? Nisso também encontra-se o ceticismo, contrário ao movimento dogmático em política. Sua relação com à sociedade comercial foi induzida desde sua gênese, o que implica no vínculo entre conservadores e liberais, neste âmbito.