A oferta de serviços públicos como instrumento de elevação da renda

Considerações sobre a renda

A oferta de serviços públicos como instrumento de elevação da renda

Alexandre Santos*

Muito se tem falado sobre a renda das pessoas. Países onde a renda é maior, [países] onde a renda é menor, povos de maior renda, [povos de] menor renda. Esse tipo de coisa. Considerada em ambiência exclusivamente mercantil, o pensamento prevalecente entre os liberais é individualista e, com viés nitidamente político e ideológico, afirma a renda como o somatório dos rendimentos auferidos pela pessoa sob a forma de salário, pró-labore, aluguéis, juros e outros proventos. Por este modo de pensar, o conceito obedece a um padrão absoluto, associando o tamanho da renda da pessoa ao volume de recursos por ela recebidos. Quanto maior o rendimento, maior a renda. Aliás, embora não mencione, essa abordagem insinua que as pessoas de maiores rendimentos são as que têm maior acesso aos bens e serviços. Na visada inversa, [insinua] que as pessoas de rendimentos mais modestos são as que têm menor acesso a eles [aos bens e serviços]. É isso aí. Pronto!

Pronto? Claro que não.

Parece evidente que, para deixar de ser indicador inconsistente, o caráter absoluto da renda deve ser abandonado em favor do caráter relativo, pois, de fato, o parâmetro que mede a situação econômica de uma pessoa não é a quantidade de dinheiro que ela recebe e, sim, a relação entre o que entra e o que sai do seu bolso ou, ainda, o saldo remanescente após os dispêndios. Aliás, a análise da renda não pode ficar circunscrita aos rendimentos diretos, sob pena de falsear resultados e cair no vasto campo das manipulações políticas.

Na realidade, um conjunto de fatores - estrutura de preços, disponibilidade de crédito, oferta de serviços públicos gratuitos ou subsidiados, etc. - interferem na questão, alterando a efetividade comercial dos rendimentos e, portanto, da renda real das pessoas. De fato, variando em função das peculiaridades das regiões, o dispêndio com os bens e serviços varia em função dos preços, alterando a disponibilidade dos valores finais, com repercussão automática na renda. Uma pessoa que, por exemplo, sem alteração do salário original, é transferida para outra cidade, estado ou país, pode experimentar elevação da renda real (se os preços na nova praça forem mais baixos, como ocorre com os europeus transferidos para o Brasil) ou, inversamente, [experimentar] depressão da renda real (se os preços na nova praça forem mais elevados, como ocorre com brasileiros transferidos para a Europa). Da mesma forma, ao antecipar rendimentos futuros às disponibilidades presentes, o acesso a crédito amplia o poder aquisitivo da pessoa e, portanto, artificial e momentaneamente, faz crescer a renda real. O aumento da renda real também se verifica com as pessoas que, por recebem serviços públicos gratuitos ou subsidiados, possam dispensar a contratação dos serviços privados correspondentes. Assim, tendo em vista a eventual existência de externalidades positivas ou negativas, a determinação da renda real requer a realização de muitos estudos, especialmente sobre a estrutura de preços, sobre a disponibilidade de crédito e sobre a oferta e preço de bens e serviços públicos.

Naturalmente, em função das implicações políticas que evoca, como representa uma elevação real da renda das pessoas, o impacto positivo provocado pela quantidade, qualidade e preço dos serviços públicos oferecidos pelo Estado costuma ser desdenhado pelos liberais, que preferem a abordagem individualista e absoluta da questão. Nunca será demais lembrar que, se as pessoas não precisarem contratar serviços privados para compensar a ausência ou baixa qualidade de serviços públicos oferecidos pelo Estado, [as pessoas] passarão a contar com mais recursos para aplicar em outros fins. Se, por exemplo, confiar na qualidade do ensino público, a família poderá deixar de matricular filhos na escola privada, passando a dispor do dinheiro poupado para outras destinações. Esse raciocínio se aplica à educação, assistência médica e hospitalar, segurança, habitação, transportes, cultura, lazer, etc. etc.

Assim, quando oferece bons serviços públicos gratuitos ou subsidiados, como desobriga as pessoas de contratarem serviços privados nas áreas correspondentes, o Estado promove um aumento real de renda. Inversamente, na ambiência do Estado Mínimo, os serviços públicos não são oferecidos de forma graciosa ou subsidiada, forçando as pessoas a gastarem recursos próprios para obtê-los, reduzindo, consequentemente, a renda real. Por razões óbvias, este assunto costuma ser desconsiderado nos estudos comparativos, sobretudo quando envolvem países que atravessam diferentes graus de desenvolvimento social e de eficiência na oferta gratuita ou subsidiada de bens e serviços públicos. No fundo, isto diz que, sem informações sobre os benefícios efetivamente colocados à disposição das pessoas, nada se pode dizer sobre a renda real. Há países, por exemplo, nos quais, em função do alto nível dos serviços públicos gratuitos e subsidiados, mesmo com rendimentos aparentemente pequenos, as pessoas desfrutam renda real alta, maior, mesmo, do que aquela verificada em países que, embora julgados avançados, deixam por conta das pessoas o custeio dos serviços públicos.

Como último registro, vale observar que, se a oferta graciosa ou subsidiada de bens e serviços públicos eleva a renda real das pessoas, então, pode (e deve) ser utilizada como instrumento regular de política econômica. De fato, dando tratos de longo prazo à questão, o Estado pode ampliar e melhorar a oferta de serviços públicos gratuitos ou subsidiados para dispensar certas despesas e, assim, possibilitar que as pessoas disponibilizem seus próprios recursos para outros fins - seja para a poupança (gerando recursos para o investimento), seja para o consumo (dinamizando o mercado). Aliás, como independe do aumento de rendimentos individuais (e, portanto, de decisões do mercado), a melhoria qualitativa e quantitativa dos serviços públicos gratuitos e subsidiados representa o melhor caminho para elevação da renda real das pessoas, especialmente das mais pobres, as quais, quase sempre, são as menos exigentes. De qualquer forma, além dos benefícios sociais advindos da existência de serviços públicos de qualidade, a sua oferta graciosa ou subsidiada faz bem à economia.

Que, na busca por dias melhores para a humanidade, o Estado faça a sua parte e ofereça bons serviços a todos nós.

(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural