Os Arrependidos
Espanta-me ver que hoje, figuras como João Dória e Wilson Witzel, governadores de São Paulo e Rio de Janeiro, apareçam como pessoas arrependidas em seu voto em Jair Bolsonaro. A mim me parece extrema hipocrisia – e não arrependimento per se – a postura adotada por tais pessoas.
E não só a esses governadores o tal arrependimento acometeu: Joice Hasselmann – que virou algoz de Bolsonaro e desafeto de seus filhos; Alexandre Frota; Lobão; Luiz Henrique Mandetta – que, por ironia do destino, saiu no aniversário de quatro anos do impeachment arquitetado por golpistas ao qual defendeu com unhas e dentes; e até o “herói” do bolsonarismo, o ex-ministro Sérgio Moro.
Devemos nos intrigar com tais arrependimentos porque há na raiz deles uma necessidade latente de um lugar no Palácio do Planalto daqui a três anos. Quando Witzel, por exemplo, subiu em um palco e quebrou uma placa com o nome da vereadora Marielle Franco, não pensou que dali a um tempo se destituiria do bolsonarismo.
A aliança Moro-Bolsonaro foi construída com a prisão – embasada sabe-se lá em que provas – do ex-presidente Lula. Enquanto Bolsonaro, em quase um ano e meio de governo, chafurdava em denúncias de compactuação com milicianos e seu então partido, PSL, cuja atuação de laranjas nas eleições de não nos foi explicada até hoje, Moro assistia a tais ataques com um cauteloso silêncio.
Porém, quando Bolsonaro insistiu em demitir, na calada da noite e em meio a uma pandemia de proporção mundial, o cabeça da PF e nomear um amigo de sua família para o cargo, o cerco se fechou. Moro renunciou seu posto de segundo homem mais poderoso do governo Bolsonaro e, para amainar as críticas de ter vendido sua alma ao diabo ao assumir o posto de Superministro da Justiça e Segurança Pública, iniciou uma guerra com Bolsonaro, que começa efervescente, ao denunciar suas intromissões nos interesses da inteligência da PF.
Os outros arrependidos, que viraram algozes às vezes por crítica ao péssimo desempenho do Bolsonaro, seguem calados: como o faz uma das cabeças do impedimento criminoso de Dilma Rousseff, a deputada Janaina Paschoal.
A postura de Dória também é motivo de contestação: o governador paulista viu sua popularidade crescer após o slogan “BolsoDória”, sob o discurso de criminalização de petistas – a asseverar de que todos os petistas são bandidos – e a colocar em relevância a frase “cristã” que sai da boca de muitos bolsonaristas: “bandido bom é bandido morto”. Tal qual Witzel, Dória hoje também é um dos principais inimigos de Bolsonaro e faz seu terreno para um possível cargo como chefe de Estado.
Esses arrependidos são o resultado de um ovo de serpente gerado durante o período que antecedeu as eleições de 2018. Hoje, são serpentes em ação com um poder letal. O importante é nos atentarmos para mais algozes que nascerão e que, sob o discurso do arrependimento, prepararão os seus terrenos para a próxima eleição – que ainda, infelizmente, estará polarizada.
E a pergunta que devemos nos fazer é: será que essas pessoas realmente estão arrependidas ou simplesmente fazem o jogo político de demonizar uma figura que tanto apoiaram?
O tempo nos dirá.