Massacre de Peterloo
A recente estreia do filme Peterloo, no Prime Video – Amazon, chamou a atenção para um evento histórico ocorrido há pouco mais de dois séculos. Em 16 de agosto de 1819, a cavalaria britânica atacou uma manifestação pacífica e desarmada de mais de 60 mil pessoas. O Massacre de Peterloo (na praça Peter’s Field, em Manchester) resultou na morte de 18 pessoas (14 homens e 4 mulheres, uma delas estava grávida e deu à luz um bebê prematuro de 7 meses).
A imprensa inglesa, chocada com a tragédia, cunhou um termo para fazer oposição à Batalha de Waterloo, quando o Duque de Wellington derrotou Napoleão Bonaparte, em 18 de junho de 1815. As tropas vitoriosas retornaram à Inglaterra, numa época de fome e desemprego crônico. Três meses antes, entrara em vigor a Lei dos Grãos que proibia a importação de grãos mais baratos de outros países. Ao regressar a Manchester, John Lees (soldado e corneteiro na Batalha de Waterloo) deparou-se com a dura realidade. Os artesões não tinham emprego por causa das fábricas com teares (1ª Revolução Industrial). As medidas protecionistas encareciam o preço do pão. A cidade de Manchester produzia riqueza, mas os impostos não retornavam para a cidade, que não tinha representação no Parlamento em Londres. O norte da Inglaterra não se sentia representado e não tinha voz para suas reivindicações.
Os líderes locais organizaram-se e foram a Londres pedir apoio do orador Henry Hunt. Em janeiro de 1819, diante de 10 mil pessoas (e sem incidentes com a cavalaria que estava presente), ele discursou exortando o Príncipe Regente a escolher ministros que revogassem a Lei dos Grãos. Nessa época, o rei Jorge III sofria de demência e o poder estava na mão do Príncipe de Gales (seu filho e futuro rei Jorge IV). Longe da fervura política de Londres, o Príncipe Regente estava estabelecido no Royal Pavilion, construído em estilo indo-sarraceno (predominante na Índia no século XIX), na cidade de Brighton, sul da Inglaterra. Ele havia sofrido um “atentado” na saída do Parlamento, em Londres. Uma batata foi atirada e quebrou o vidro da carruagem real e ele foi atingido pelos estilhaços. Na versão da mídia conservador foi uma grande pedra ou tiro de espingarda de cano duplo.
A política era controlada pela aristocracia agrária, mas começava a ascensão da burguesia mercantil e industrial. A alternância do poder era entre o Whig Party (futuro Partido Liberal) e o Tory Party (futuro Partido Conservador), que estava no poder com o primeiro-ministro Conde de Liverpool. Horrorizado com o “atentado” contra o Príncipe Regente, ele conseguiu a suspensão imediata do habeas-corpus. Começaram as interceptações de cartas, espiões eram enviados para reuniões e foram realizadas prisões contra os líderes dos movimentos reformistas em Manchester e em outras cidades ao seu redor, no norte da Inglaterra.
Foi neste clima de confronto e de radicalização que ocorreu a manifestação em agosto. As reivindicações eram de estabelecer o sufrágio universal masculino e a realização de eleição anual de um membro para o parlamento, dentro de um distrito eleitoral (equânime em todo o país).
A polícia, os magistrados e o primeiro-ministro viam a semente da Revolução Francesa que tinha que ser esmagada. O líder radical Samuel Bamford era republicano e defendia a prisão do rei e do Príncipe Regente. Milícias armadas eram treinadas em campo aberto.
Em agosto, o orador Henry Hunt retornou a Manchester. A preparação para uma enorme manifestação causava inquietação nas autoridades locais. Seria numa 2ª feira, as pessoas não iriam trabalhar. As fábricas ficariam paradas. O Duque de Wellington tinha sido designado para comandar as tropas no norte da Inglaterra. A elite local exigia sua presença para mostrar a importância da lei e da ordem. O general declinou do convite. O tenente-coronel George L’Estrange foi designado para comandar as tropas.
Era um dia de sol e uma longa caminhada das cidades ao redor de Manchester até a praça Peter’s Field. Mulheres vestindo branco seguiam com flores e com suas crianças. O grupo majoritário pacifista e moderado conseguiu que as armas fossem deixadas de lado pelos mais radicais, que tinham sido insuflados por espiões infiltrados em reuniões anteriores. Antes de iniciar seu discurso, o orador Henry Hunt impediu a permanência do líder radical Samuel Bamford, mas não houve tempo. De uma janela, as autoridades locais olhavam a enorme multidão na praça. Declararam a manifestação ilegal e deram ordem para a dispersão das pessoas. As tropas atacaram por dois lados. As pessoas ficaram encurraladas, morreram pisoteadas ou vítimas de golpes de sabre. Um desses golpes atingiu John Lees (soldado e corneteiro na Batalha de Waterloo) que tombou vítima do Massacre de Peterloo. O filme faz enorme reconstituição de época e retrata um momento histórico, mas com temática muito atual.