Engenharia e Democracia
Engenharia e Democracia
A Engenharia pode revolucionar a política, restaurando a Democracia clássica
Alexandre Santos*
Sobre o universo existe um mundo natural, construído por Deus, e um mundo artificial, construído pela Engenharia - a arte através da qual, pela aplicação de conhecimentos científicos e tecnológicos, o homem intervém na natureza, modificando-a segundo um propósito definido. Com a evolução científica e tecnológica, a Engenharia deixou de atuar apenas no mundo real e passou a construir um mundo virtual, abrindo um número ilimitado de possibilidades digitais, que, naturalmente, se projetam no mundo real, modificando-o e moldando-o às novas realidades. Entre estas possibilidades digitais, além das facilidades de comunicação, estão mecanismos que, devidamente protegidos por códigos de acesso e senhas pessoais, permitem a manifestação de vontades e comandos de importantes procedimentos na vida real, como a transferência de valores bancários, compras pela Internet, contratação de serviços profissionais ou, como vemos em filmes de ficção, acionar 'botões vermelhos' que dão início a guerras. Aliás, ainda atravessando fases incipientes de desenvolvimento, as possibilidades criadas pela Engenharia digital já revolucionam o mundo real, mas estão longe de preencher todas as suas possibilidades. Observe, por exemplo, que, da mesma forma que criou um e-comercio, introduzindo nuances inéditas no funcionamento dos mercados, inclusive financeiros, os mecanismos digitais podem aperfeiçoar as relações sociais, inclusive a política, aumentando o nível de informação das massas eleitoras, agilizando processos de escolha, estreitando os laços entre governantes e governados, possibilitando transparência às administrações, facilitando o acompanhamento da gestão, fiscalização do governo e consultas regulares, enfim, restaurando valores que restabelecem a Democracia.
Com efeito, ao longo do tempo, por razões e alegações diversas - aumento das populações, crescente nível de complexidade das sociedades, má fé de dirigentes, uso do termo ['democracia'] como doutrina de dominação, etc. -, aquilo que um dia chamou-se Democracia foi perdendo essência e assimilando perfumarias até resumir-se (pelo menos, na cabeça de alguns) em simples método de escolha. Mesmo assim (ou por isso, mesmo), de tão sujeito a condições e interesses locais e circunstanciais e, dessa forma, modulado por nuances e peculiaridades, o termo 'democracia' passou a se aplicar a situações eventualmente diferentes e, mesmo, antípodas. Por isso, os norte-americanos endeusam a democracia dos Estados Unidos, mas não aceitam as democracias praticadas em países como Cuba, Venezuela ou China. Na realidade, ao contrário daquilo que muitos dizem e pensam, Democracia não é um método de escolha e, sim, uma forma de governo. Como o próprio nome diz (Demo=Povo; cracia=governo) um governo do Povo. Mas, o que é um 'governo do Povo'? Quem melhor respondeu esta questão foi Abraham Lincoln com a máxima 'Democracia é o governo do Povo, pelo Povo, para o Povo' - uma fórmula que diz tudo e, arrancando esgares de asco em certos círculos, reduz a maioria das 'democracias' que funcionam por aí à condição de Aristocracia (governo das elites). Observe que não praticam Democracia aqueles que, apenas por terem vencido eleições, muitas vezes em consequência do uso de promessas vãs, mentiras e, mesmo, fraudes, exercem mandatos 'de costas para o Povo', realizando programa diverso daquele apresentado na campanha eleitoral. Em resumo, pode-se dizer que, quebrada a fórmula de Abraham Lincoln, não há Democracia.
Se, ao longo do tempo, foi violada e descaracterizada, a Democracia tem a chance de ser restaurada pelo uso dos instrumentos já colocados à disposição da sociedade pela Engenharia digital. Com efeito, se, por um lado, os novos mecanismos de comunicação podem facilitar a divulgação, comparação e escolha das propostas alternativas apresentadas pelos candidatos e [facilitar] a fiscalização do exercício do governo, verificando eventuais desvios das plataformas escolhidas; por outro [lado], o uso das ferramentas protegidas por senhas, além tornar ultrapassado o conceito de zona e secção eleitoral (pois, devidamente munidos dos aplicativos e senhas, os cidadãos poderiam votar em qualquer lugar), [o uso das ferramentas digitais] viabiliza a realização de frequentes plebiscitos e referendos capazes de consultar a opinião dos cidadãos sobre temas controversos, [que] impliquem em custos de oportunidade significativos ou [que] exijam modificação na plataforma original escolhida na eleição. Além do mais, a combinação daqueles instrumentos digitais [comunicação e votação] possibilita, sem custos adicionais, a ampliação das casas legislativas com aumento do número de parlamentares para formação de Assembleias digitais, cujo tamanho pode ser aumentado ou diminuído conforme o tipo de assunto em discussão. Estão, portanto, colocadas pela Engenharia as condições para modernização de procedimentos e restauração da Democracia, restabelecendo o primado da participação e da vontade popular, condição que a torna o mais perfeito dos sistemas políticos já concebidos pelo homem.
Infelizmente, a julgar pela apatia como trata a Engenharia e pela forma rudimentar como realiza eleições nos próprios conselhos que regulam suas profissões, os engenheiros brasileiros parecem não estar muito preocupados com a eventual contribuição que seu affair possa dar ao aperfeiçoamento das relações sociais e à própria Democracia no País. Este alheamento é extremamente prejudicial ao Brasil e aos próprios engenheiros, explicando, inclusive, a maior parte dos problemas que os afligem [os engenheiros brasileiros] - os quais, por incrível que possa parecer, padecem males, como o desemprego e os baixos salários, incompatíveis com um país potencialmente rico onde tudo está por construir. De qualquer forma, detentores do conhecimento capaz de modernizar política e restaurar a Democracia, os engenheiros podem liderar este processo ou, como ocorre em outras áreas, deixar que outros o façam.
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(*) Alexandre Santos é ex-presidente da União Brasileira de Escritores, coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural e presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco