O consumidor e a prosperidade das classes produtoras
O consumidor e a prosperidade das classes produtoras
Alexandre Santos*
Refletindo e formando um modo de pensar que, de tão batido, é aceito quase sem contestação por todos, o noticiário econômico não costuma dar importância ao consumidor - aquela pessoa, física ou jurídica, cuja atividade econômica se resume em comprar e consumir aquilo que compra. De fato, ao tempo que venera os banqueiros, financistas e jogadores da Bolsa, a eles se referindo como 'O mercado' - elevando-os, assim, à condição de 'essência da economia capitalista' e, com isso, confundindo a cabeça das pessoas -, e reserva às classes produtoras - um contingente que, em corruptela pouco percebida, além de industriais, também inclui comerciantes e prestadores de serviço - o tratamento de 'agente econômico', [o noticiário econômico] dedica pouca atenção aos consumidores, como se eles [os consumidores] sequer existissem. Aliás, a figura do consumidor só é tratada com importância central no âmbito da publicidade, quando é alvo de ataques orientados por sofisticadas técnicas de manipulação para levá-lo a comprar mais e mais, segundo o interesse das empresas anunciantes.
O desdém ao consumidor vem de longe. Ao formular sua 'Lei dos mercados', Jean-Baptiste Say também desconsiderou a importância dos consumidores. A famosa Lei de Say ousa explicar o funcionamento dos mercados sem sequer citar o consumidor, estabelecendo a máxima 'a oferta cria sua própria demanda'. Ora, se a oferta fosse autossuficiente, as frequentes crises provocadas pela exaustão do poder aquisitivo das pessoas não existiriam. Na realidade, a decisão de produzir depende do consumo (não adianta produzir se não houver comprador). Nesta perspectiva, as classes consumidoras são tão importantes quanto as classes produtoras, merecendo, portanto, não só, a inclusão entre os 'agentes econômicos', mas também cuidado especial. Aliás, sabendo que, se não houver ninguém a quem vender, de nada adiantará produzir e, portanto, que sua própria sobrevivência e prosperidade dependem do vigor do mercado consumidor, as classes produtoras deveriam cultivar melhor relacionamento com as pessoas compradoras, zelando por sua renda [das pessoas] e pelo seu bem estar [das pessoas]. Estranhamente, isso quase nunca ocorre. Observe, por exemplo, que, embora sejam a origem das receitas - merecendo, portanto, parte do lucro - os compradores nunca são tratados como sócios ou parceiros pelos empresários, sendo, quando muito, beneficiários de descontos usados como técnica comercial para fidelizar clientela.
Surpreendentemente, só ínfima parcela das classes produtoras percebe a interdependência com as classes consumidoras e, mais ainda, que os consumidores dos quais dependem são as pessoas. Esta falta de percepção somada a um quê de egoísmo, talvez explique o descaso das classes produtoras com o poder aquisitivo das pessoas - comportamento que, em certa perspectiva, representa uma espécie de suicídio econômico, pois, no fundo, constitui o assassinato da galinha-dos-ovos-de-ouro da qual as classes produtoras tiram o próprio sustento. Nunca é demais lembrar que a redução da renda das pessoas significa a retração do mercado consumidor ou, em outras palavras, [significa] a redução do volume de vendas, sendo a causa das crises que termina por levar as classes produtoras à vala dos desgraçados. Assim, zelar pela renda das pessoas é cuidar da prosperidade das classes produtoras, as quais, de sua parte, deveriam tomar este encargo [zelar pela renda das pessoas] como tarefa prioritária.
Vale, ainda, lembrar que, mesmo na condição de agente econômico passivo, o consumidor participa da Economia com 'armas' muito poderosas, entre as quais o 'não comprar' e a 'escolha de onde e a quem comprar'. Por muitas razões (disponibilidade de estoques de emergência, existência de linhas alternativas de suprimento, condições de articulação e outras), embora ofereça maior impacto, o 'não comprar' - que significa o boicote geral - é de difícil realização e, por razões óbvias, se aplica apenas a negociações extremas e de curtíssima duração. A 'escolha de onde e a quem comprar' - que significa o boicote a uns poucos produtos ou fornecedores - constitui recurso de operação mais fácil e, a depender da concorrência entre eles [produtos e/ou fornecedores], pode produzir bons resultados. Por esta e outras razões, o confronto com as classes consumidoras pode implicar em grandes prejuízos às classes produtoras. Na realidade, a situação mais vantajosa para as classes produtoras é aquela na qual as classes consumidoras realizam o maior volume possível de compras, aumentando lucros e justificando a ampliação da produção. Não resta dúvida de que, tomadas como 'agentes econômicos' fundamentais, as classes consumidoras devem ser tratadas com respeito, carinho e, sobretudo, ser alvo ações que cuidem do seu poder aquisitivo.
(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco