Algumas lições já deixadas pela crise

Algumas lições já deixadas pela crise

Alexandre Santos*

O mundo ainda atravessa os primeiros momentos de uma crise gigantesca e de duração imprevisível, mas a comoção inicial provocada pela pandemia que lhe deu causa já deixou grandes lições, abrindo caminho para o aperfeiçoamento de muitos setores. Além dos aspectos científicos, onde muitos avanços foram observados, especialmente na área da infectologia - valendo o registro de que estudos realizados em Cuba, na China e nos Estados Unidos indicam o iminente desenvolvimento de vacina para o Covid 19 -, mas, também, em outras áreas, inclusive na economia e na política.

Com efeito, dado o seu caráter geral, a pandemia esclareceu que ninguém está a salvo do coronavírus e, mantida a rotina de sempre, não há como dele se esconder ou escapar. Neste sentido, o vírus é democrático, pois ataca a todos sem distinção. De fato, ao contrário de desastres localizados, como tsunamis, erupções, enchentes, terremotos, geadas, secas, avalanches, guerras, golpes de Estado, desemprego, convulsões sociais, pobreza, etc., o coronavírus está por toda a parte, sem discriminar vítimas e sem garantir terras seguras para o refúgio de afortunados. Apesar das manipulações criminosas - que, em renitente demonstração de egoísmo, alguns pretendem fazer a sociedade aceitar a morte de muitos como preço razoável 'para salvar a economia' para uns poucos -, a pandemia provocou o recolhimento das pessoas em uma quarentena geral, impensável até dias atrás, colocando a todos em uma espécie de prisão domiciliar, situação que, ao lado da expiação de pecados, possibilita momentos de reflexão e de convívio familiar.

Entre as muitas lições já ensinadas pela pandemia de coronavírus e mazelas dela decorrentes, se destaca o reconhecimento pelos governos, tanto da esquerda como da direita, que só o Estado é dotado de poder e recursos capazes de enfrentar grandes crises. Aliás, logo nos primeiros momentos, ficou clara a inépcia da iniciativa privada para este tipo de situação, em eloquentes testemunhos contra o Estado Mínimo. Governos conservadores, como o do Reino Unido e dos Estados Unidos, por exemplo, interviram na rede privada de saúde, modificaram leis para permitir investimentos, usaram o poder de polícia para impor quarentenas e redirecionaram a atividade de fábricas para a produção de equipamentos e insumos médicos.

Se por um lado, a introdução da renda mínima, estabelecida por muitos governos em paralelo com a imposição do 'distanciamento social' como técnica de evitar a propagação do vírus, reitera a importância de mecanismos que garantem o sustento das pessoas empobrecidas e, ao mesmo tempo, [garantem] o funcionamento da economia; de outro [lado], o meteórico surgimento de sofisticados hospitais de campanha para o atendimento das populações infectadas mostra o preparo da Engenharia para resolver problemas, retirando, assim, razões para a persistência de outros [problemas] mais simples, como, por exemplo, o déficit habitacional.

Algumas das lições já deixadas pela crise, alcançam a própria organização política. De fato, ao inviabilizar reuniões presenciais de diversas instâncias de governo, incluindo as casas legislativas, que passaram a realizar sessões e votações à distância, a pandemia do Covid 19 serviu para valorizar e certificar a eficácia e segurança dos mecanismos de ação remota, como já fazem os bancos e outras instituições, demonstrando a viabilidade técnica do funcionamento descentralizado dos órgãos de representação politica, de ampliação do número de cadeiras parlamentares (que não dependeriam mais de um ambiente físico para se instalar e realizar reuniões) e da realização de plebiscitos e de referendos populares com frequência, itens que, na prática, restauram alguns dos fundamentos centrais da Democracia (demo = povo; cracia = governo), cuja consistência se diluiu ao longo do tempo.

Muitas outras lições estão por aí e, se tiver humildade para reconhecer erros e buscar acertos, a humanidade poderá emergir da crise muito mais forte e melhor do que sempre foi. Poderá, também, fechar os olhos para os ensinamentos e manter os erros que a fazem ser como é. De qualquer forma, uma coisa é certa, se conseguir escapar desta pandemia, a humanidade nunca mais será a mesma.

26 de março de 2020

(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, ex-presidente da União Brasileira de Escritores, coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural e presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Escritores e membro da Academia Pernambucana de Engenharia