BOLSONARO OUVE A QUEM?
BOLSONARO OUVE A QUEM?
Josué Ebenézer*
O país vive uma autocracia.
Acabo de concluir isso.
Em que sentido?
A raiz etimológica do termo reporta a dois radicais gregos: autos (por si próprio) e kratos (poder). Então, uma autocracia significa: poder por si próprio.
Mas o Brasil é uma democracia. Como entender isso?
O país é uma democracia, é verdade. Mas, uma democracia que sempre beirou os limites do autoritarismo. Essa proximidade perigosa com o autoritarismo – seja de esquerda ou de direita como vemos agora –, é algo que deve nos preocupar, nessa já não mais tão jovem democracia.
E, agora, como resultante de uma característica própria das repúblicas de bananas; essa democracia, que paquera perigosamente com o autoritarismo, apresenta traços marcantes de autocracia.
Concluo, porém, que não é uma autocracia qualquer. É uma autocracia que precisa ser adjetivada. E eu opto pelo termo “disfuncional” para adjetivá-la. O Brasil vive um tempo de “autocracia disfuncional”.
Novamente, preciso definir o termo. Disfuncional é aquilo que apresenta uma disfunção; ou seja, que evidencia um mau funcionamento. Do ponto de vista da Medicina, refere-se a um órgão que apresenta suas funções alteradas ou prejudicadas.
O Brasil é essa autocracia disfuncional porque tem um líder que se propõe a ser um autocrata disfuncional, embora pareça não estar consciente disso.
Então, quando digo que o país está vivendo uma autocracia, estou chegando à essa conclusão, nem tanto por aquilo pelo que lutamos por décadas para alcançar e agora querem destruir, mas por aquilo que o líder da nação se acha: um poderoso independente.
O país corre sérios riscos de começar a não funcionar direito porque seu líder máximo possui um discurso que é completamente disfuncional e incoerente.
E todo líder, seja ele de que espécie for – boa ou má – sempre terá seus seguidores.
E é isso, que nesses tempos, me preocupa mais: os seguidores de Bolsonaro! Mas, sobre isso, falamos depois.
Seria, Bolsonaro, realmente, um autocrator?
Vale a pena recorrer à História para entender um pouco o que estamos querendo demonstrar.
A autocracia está relacionada ao Império Bizantino, em que o imperador se denominava autocrator. Na cabeça dele, o seu poder era supremo, absoluto, ilimitado, sem qualquer satisfação a dar às demais instituições humanas, devendo satisfação somente a Deus, que o constituíra.
Parece que nosso Presidente pensa como tal. Típico dele não querer dar satisfação a ninguém e seguir o seu próprio tirocínio.
Isso o torna cada vez mais isolado no poder.
Sobre isso, sabe-se bem que existe a tal da “solidão do poder”.
No caso de Bolsonaro, é confinamento mesmo. E, garanto, que não é por causa do coronavírus. Até porque ele demonstra que não gosta.
Se a autocracia descreve a concentração de poder num governo, no caso brasileiro contemporâneo, essa autocracia disfuncional concorre para o que podemos chamar de “desgovernança” apocalíptica.
Algo como um anarquismo de Estado.
E digo isso não pelo detentor do poder de Brasília, porque este não nega o princípio da autoridade, pelo contrário, quer exercê-la a ferro e fogo, melhor dizendo, a revólver e bala.
Mas, refiro-me ao estado em que se encontra o povo brasileiro que, ao que tudo indica, não tem mais um governo que sirva de parâmetro adequado para liderar seus rumos. Principalmente no que tange à maior crise que esta geração presenciou: a crise do COVID-19.
Mas, vamos analisar a situação sobre outra ótica.
Não pelo viés político, da liderança, da governança.
Mas, pelo viés da personalidade.
O viés da percepção individual das realidades à sua volta, das estruturações que fazemos de tudo o que nos acontece e de tudo o que ocorre ao nosso redor.
Bolsonaro não é um indivíduo detentor de superego.
Novamente, precisamos definir o termo.
O “supereu” ou superego vem da montagem que o psiquiatra austríaco, Sigmund Freud, fez do aparelho mental ou estruturas psíquicas.
Para ele, são três essas estruturas: Ego, Id e Superego.
Em primeiro lugar, o “Ego”. O “Ego” é comandado pelo “princípio da realidade”. É a parte de nós mesmos, que mostramos aos outros.
Em segundo lugar, o “Id”. O “Id” (“isso”, em alemão) está com o indivíduo desde que ele nasce. É o “princípio do prazer” que orienta o “Id”. É a esfera dos desejos, mas, estes são reprimidos com frequência.
Em terceiro lugar vem o “Superego”. O “Superego” também é conhecido como o “ideal do Ego”. Trata-se de um conjunto de forças morais inibidoras. Essas regras morais e sociais, não nascem com o indivíduo, mas, se desenvolvem por meio da influência, da socialização, da educação.
Na teoria freudiana do aparelho psíquico, o “Ego” é fortalecido pela razão e vive uma constante batalha entre o que o “Id” e seus desejos querem realizar e o que o “Superego” e seus freios querem reprimir.
Essa batalha é para todo o sempre e o indivíduo que a perde pode descambar para alguma psicopatia ou paranoia.
O que queremos dizer, quando afirmamos que Bolsonaro não tem superego?
Que, infelizmente, nosso Presidente não raciocina como a maioria dos demais líderes políticos brasileiros. Ele, parece sempre estar na contramão da História. Você pode até dar uns créditos nos primeiros momentos, mas, com o passar do tempo (e a sua permanência na lua), você desiste, repensa, analisa, e, se não tomar cuidado, pira.
Bolsonaro ouve alguém? Tem um interlocutor?
E se ouve, a quem ele ouve?
Parece que ele não ouve nem a si mesmo.
Bolsonaro não é o tipo de indivíduo que seja detentor de superego.
Vou dar exemplos crassos.
Uma pessoa que tenha freios morais e sociais, não falaria coisas do tipo:
“É só você deixar de comer menos um pouquinho. Você fala pra mim em poluição ambiental. É só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também”.
“As pessoas que têm mais cultura têm menos filhos. Eu sou uma exceção à regra, tenho cinco, está certo? Mas como regra é isso”.
“Eu ganhei! A imprensa tem que entender que eu ganhei. Eu, Johnny Bravo Jair Bolsonaro, ganhou, p(....)! Ganhou, p(....)! Vamos entender isso”.
“Já botei parentes no passado, sim. Qual é o problema?”
“O que é golden shower?”
“O Brasil não pode ser o país do turismo gay. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay.”
“Você tem uma cara de homossexual terrível, mas nem por isso eu te acuso de ser homossexual.”
“Daqueles governadores de 'paraíba', o pior é o do Maranhão.”
“Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Você não vê gente pobre pelas ruas com físico esquelético como a gente vê em alguns outros países por aí pelo mundo.”
“Todo mundo gostaria de passar a tarde com um príncipe. Principalmente vocês, mulheres, né?”
“É impressionante a imprensa dar espaço para uma pirralha dessa aí. Pirralha.”
“Tem muito formado aqui em cima dessa filosofia do Paulo Freire da vida, esse energúmeno, ídolo da esquerda.”
“[Era] Uma pessoa conhecida. Nossos sentimentos à família, tá ok?"
“Competência? É problema do deputado. Se quiser botar uma prostituta no meu gabinete, eu boto. Se quiser botar a minha mãe, eu boto. É problema meu.”
“O grande erro da ditadura foi não matar vagabundos e canalhas como Fernando Henrique.”
“É um índio que está a soldo aqui em Brasília, veio de avião, vai agora comer uma costelinha de porco, tomar um chope, provavelmente um uísque, e quem sabe telefonar para alguém para a noite sua ser mais agradável. Esse é o índio que vem falar aqui de reserva indígena. Ele devia ir comer um capim ali fora para manter as suas origens.”
“O próximo passo será a adoção de crianças por casais homossexuais e a legalização da pedofilia.”
“Não vou estuprar você porque você não merece.”
A coleção de frases descabidas de Bolsonaro é enorme. Dá para preencher um livro.
Cada frase dessas tinha um contexto, um estopim motivador.
Referia-se a alguém ou alguma instituição e, em si mesmas, ou em função das circunstâncias, carregava descompasso, destempero.
Total ausência de escrúpulos para pronunciá-las.
Ao pronunciá-las, em nenhum momento o Presidente levou em consideração a liturgia do cargo; a posição que ocupa diante do povo brasileiro.
As que dizem respeito à crise do COVID-19, agora, são a gota d’água. A prova de que a situação já foi longe por demais.
Vou dar outros exemplos gritantes:
“Ainda que o problema possa se agravar, não há motivo para pânico. Seguir rigorosamente as recomendações dos especialistas é a melhor medida de prevenção.”
“O que está errado é essa histeria , como se fosse fim de mundo.”
“Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar. Toda família deu negativo aqui em casa. Talvez eu tenha sido infectado lá atrás e nem fiquei sabendo. Talvez. E estou com anticorpo.”
"Eu acho que não vai chegar a esse ponto [a situação dos Estados Unidos]. Até porque o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí"
Há outros exemplos...
Vamos ficar, porém, com esses, posto que suficientes.
Alguns têm analisado que Bolsonaro já foi além da conta. E que já há razões suficientes para se abrir um processo de impeachment.
Sobre isso, o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ter medo por conta da suposta maldição dos que presidem impeachment no Brasil. Quem preside, sempre se dá mal.
Mas, o que poderia fazer calar o Presidente? Uma ameaça de impeachment? O povo? Sua esposa?
Mudando a pergunta: o que poderia fazer o Presidente falar de forma menos disfuncional? Isso, no caso de um pedido para ele falar coerentemente, se tornar algo por demais difícil! Uma cura espiritual?
Então, vamos à pergunta que encima esse textão:
Bolsonaro ouve a quem?
Existe alguém que, por acaso, Bolsonaro ouve?
Ele tem conselheiros?
Do PT dizia-se que tinha um “núcleo duro”.
Se Bolsonaro o tem, esse núcleo é muito mole. Molenga, até!
Vou fazer uma confidência bem íntima agora: “Confesso que no início do Governo Bolsonaro, me peguei pensando em ir à Brasília para conversar com ele. Queria dizer umas coisas, alertar sobre outras, apontar umas direções, dar uns conselhos (quem sou eu pra dar conselhos!)... Mas, passou!
A quem ouve Bolsonaro?
Bolsonaro ouve a Michelle, sua esposa?
Barack Obama ouvia a Michelle. Acho que sim.
Bolsonaro ouve a quem?
Ele ouve o Pr. Josué Valandro Júnior?
A quem ouve Bolsonaro?
Ele ouve a Silas Malafaia?
Bolsonaro ouve quem?
Ele ouve o Dep. Marco Feliciano?
A quem ouve Bolsonaro?
Ele ouve o Dep. David Soares?
Bolsonaro ouve quem?
Ele ouve o 01 e o 02?
A quem ouve Bolsonaro?
Ele ouve o Bananinha?
Bolsonaro ouve quem?
Ele ouve o som da bala zunindo no espaço?
A quem ouve Bolsonaro?
Ele ouve a fumacinha que sai do cano do revólver?
Bolsonaro ouve quem?
Ele ouve a sua razão?
A quem ouve Bolsonaro?
Ele ouve o seu coração?
Bolsonaro ouve quem?
Ele ouve o seu fígado?
A quem ouve Bolsonaro?
Ele ouve vozes?
Bolsonaro ouve quem?
Ele ouve espíritos?
A quem ouve Bolsonaro?
Ele ouve Deus?
Não sei quem Bolsonaro ouve.
Acho que Bolsonaro é surdo.
Ele nem consegue ouvir as vozes das ruas.
Ele nem consegue ouvir as vozes da mídia.
Ele nem consegue ouvir as vozes da imprensa.
Bolsonaro ouve quem?
Ele não ouve seus correligionários.
Ele não ouve seus ministros.
Ele não ouve seus eleitores.
Bolsonaro ouve quem?
Ele ouve alguém?
Bolsonaro ouve Bolsonaro.
Resumindo:
Bolsonaro é um líder autocrata que pensa que o poder pertence a ele por motivos messiânicos.
Bolsonaro é um indivíduo que fala o que pensa e não tem freios.
Bolsonaro é um ser cujo aparelho auditivo é pra dentro: ele não ouve a ninguém.
Mas, Bolsonaro é Bolsonaro.
E o Brasil?
O Brasil é um trem descarrilhado.
(*) Josué Ebenézer de Sousa Soares,
pastor, poeta, jornalista, historiador, escritor.
Nova Friburgo, 30 de março de 2020 (12h41min).