A eleição contestada (2000 nos EUA)
Os Estados Unidos nunca mais foram os mesmos, desde a eleição contestada no ano 2000. Bill Clinton terminava seu segundo mandato e, no ano anterior, tinha sido absolvido no Senado no processo de impeachment contra ele. O vice-presidente Al Gore era o candidato democrata contra o republicano George W. Bush, governador do Texas.
As eleições foram uma das mais disputadas na história do país. Al Gore obteve pouco mais de 543 mil votos populares de vantagem sobre George W. Bush, no universo de mais de 100 milhões de votos. Entretanto, a eleição nos Estados Unidos é indireta. O candidato com menos votos populares pode ganhar a eleição presidencial se conseguir mais votos no Colégio Eleitoral. Isto é, a maioria absoluta de 270 votos no universo de 538 votos que representam os 50 estados e o Distrito de Colúmbia. Tal fato tinha ocorrido apenas três vezes no século 19 (1824, 1876 e 1888). George W. Bush foi eleito presidente por 271 a 266 (houve uma abstenção).
As grandes redes de televisão cobriam a noite de apuração e o resultado estava indefinido. Os 25 votos do estado da Flórida eram decisivos no Colégio Eleitoral. As projeções davam vitória para Al Gore no estado, mas a apuração indicava vantagem de 100 mil votos para George W. Bush. Quando ainda faltava a apuração em Broward, Miami-Dade e Palm Beach, três condados fortemente democratas, a Fox News atropelou os demais canais e anunciou o candidato republicano como vencedor no estado e novo presidente do país. As demais redes de televisão (ABC, NBC, CBS e CNN) cometeram o erro fatal de seguir a concorrente. A narrativa em conjunto de todas as redes levou Al Gore a reconhecer a derrota e ligar para George W. Bush felicitando-o pela vitória.
A apuração prosseguiu e a vantagem caiu vertiginosamente e ficou menor do que 1% entre eles. Várias redes de televisão voltaram atrás pois, de acordo com a legislação estadual, a recontagem de votos seria automática e não haveria vencedor naquela madrugada. A campanha democrata percebeu que haveria recontagem na Flórida. Esta poderia alterar o resultado da eleição. O vice-presidente ligou novamente para o adversário e retirou o reconhecimento da derrota. Advogados das duas campanhas dirigiram-se para o estado. Começava a novela da recontagem de votos na Flórida. O governador era Jeb Bush, irmão de George W. Bush e também filho do ex-presidente George H. W. Bush.
A recontagem dos votos foi parar nos tribunais. A Suprema Corte da Flórida determinou o prosseguimento da recontagem obrigatória (por máquina) em todo o estado. Entretanto, mais de 70 mil votos foram rejeitados pelas máquinas. Houve pedido de recontagem manual nos condados de Broward, Miami-Dade, Palm Beach e Volusia, com prazo estendido até 26 novembro. Houve recurso para a Suprema Corte dos Estados Unidos que, em 12 de dezembro, decidiu que tal decisão era inconstitucional, em votação por 7 a 2. Também decidiu, em votação por 5 a 4, que não haveria mais recontagem a partir daquela data. O condado de Palm Beach não cumprira o prazo estendido. A Suprema Corte dos Estados Unidos, portanto, homologou o resultado apresentado pelo estado da Flórida, em 26 de novembro, com vitória de George W. Bush por 537 votos populares. O vencedor levou todos os 25 votos no Colégio Eleitoral, onde o candidato republicano conseguiu 271 votos.
A imagem símbolo da recontagem da Flórida é aquela em que escrutinadores olham atentamente para cédulas de votação para saber se houve perfuração em círculo e se o voto contava ou não contava para algum candidato. A recontagem manual era muito subjetiva e acirrava os ânimos. A controvérsia em torno da eleição contestada aumentou com a anomalia na votação do condado de Palm Beach, em favor do candidato Pat Buchanan (Partido Reformista). Foi aí que a polêmica cédula-borboleta voou para o centro da tormenta do debate político da eleição do ano 2000.
A cédula eleitoral não seguia o padrão de nomes alinhados com círculos para serem perfurados pelo eleitor. Theresa LePore, supervisora do condado de Palm Beach, criou a cédula-borboleta onde os nomes dos candidatos alternavam-se com os círculos para perfuração no centro da cédula. A disposição dos nomes era alternada, entre os lados esquerdo e direito da cédula, na seguinte sequência: George W. Bush, Pat Buchanan, Al Gore e os demais candidatos na sequência formando duas asas de borboleta. O nome de Al Gore estava abaixo do nome de George W. Bush, mas era o terceiro círculo a ser perfurado e não o segundo círculo. A confusão do eleitor na hora de votar pode ter prejudicado o candidato democrata. O fato de ter contestado o resultado da eleição criou nele a imagem de mal perdedor que não aceitou a derrota. Entretanto, a interferência política da Suprema Corte dos Estados Unidos, em interromper a recontagem de votos, criou a imagem final da eleição contestada.