Impeachment de Trump
O presidente é chefe de Estado e chefe de governo, ao mesmo tempo, no presidencialismo. O impeachment é a única maneira legal de afastamento. No caso do Brasil, há necessidade de 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados para afastar o presidente por 180 dias. No julgamento, 2/3 dos membros do Senado Federal são necessários para o impeachment com a perda do mandato. No caso dos Estados Unidos, a maioria absoluta (218 votos dos 435 deputados) da Câmara dos Representantes aprova o impeachment (abertura do processo). O presidente permanece no cargo durante o julgamento pelo Senado Federal. São necessários 2/3 dos membros (67 votos dos 100 senadores) para a perda do mandato.
Aconteceram três processos de impeachment nos Estados Unidos e, num quarto caso, houve a renúncia do presidente antes da votação na Câmara dos Representantes. Em 1865, após ser reeleito, o presidente Abraham Lincoln foi assassinado. O vice-presidente Andrew Johnson assumiu o cargo de presidente. Com o fim da Guerra de Secessão, houve o período de reconstrução do sul com ocupação militar. Havia duas posições políticas: a moderada (liberdade para os ex-confederados elaborar suas próprias definições legais para a situação dos negros libertos) e a radical (elaborar leis que previam distribuição de terras dos grandes latifúndios para os negros e reincorporação dos Estados do Sul mantendo a ocupação militar).
Em 1867, a Lei de Permanência no Cargo tinha sido aprovada. Esta proibia que o presidente demitisse membros do gabinete sem aprovação do Senado. O secretário de Guerra Edwin Stanton (nomeado por Lincoln) era aliado dos radicais. Ele foi demitido e substituído pelo general Lorenzo Thomas. Este pretexto serviu para aprovação do impeachment na Câmara dos Representantes. Foram 126 votos favoráveis e 47 votos contrários. A proximidade com o fim do mandato de Andrew Johnson, que alterou seu discurso, e o surgimento da forte candidatura do general Ulysses Grant para sucedê-lo influenciaram no desfecho da votação no Senado Federal. Foram 35 votos de “culpado” e 19 votos de “inocente”. Como eram necessários 36 votos para afastá-lo do cargo (dois terços do total de senadores naquela época), o presidente foi formalmente absolvido.
Em dezembro de 1998, o presidente Bill Clinton sofreu impeachment por perjúrio (228 votos a 206 votos) e obstrução de justiça (221 votos a 212 votos). As acusações surgiram após o escândalo Lewinsky (relacionamento sexual com uma estagiária na Casa Branca) e a ação judicial movida por Paula Jones. Em fevereiro de 1999, Bill Clinton foi absolvido das duas acusações no Senado Federal: perjúrio (45 votos de “culpado” e 55 votos de “inocente”) e obstrução de justiça (50 votos de “culpado” e 50 votos de “inocente”).
Em agosto de 1974, o presidente Richard Nixon vivia uma intensa crise política (Watergate) e crise econômica com queda abruta na Bolsa de Valores, durante o primeiro semestre, consequência do primeiro choque do petróleo (iniciado no final do ano anterior). Após a renúncia, o relatório final para o impeachment chegou na Câmara dos Representantes, sendo formalmente aprovado (420 votos a 3) e depois arquivado. Não houve prosseguimento no Senado Federal, onde os democratas contavam com 57 votos (incluindo um senador independente). Havia no mínimo dez senadores republicanos dispostos a votar pelo afastamento de Richard Nixon. A proximidade das eleições legislativas de novembro, daquele ano, influenciou a decisão da alta cúpula do partido em pressionar e exigir sua renúncia para preservar o partido e não o arrastar junto ao fundo do poço político, durante as eleições. Esta situação foi muito diferente da ocorrida com Bill Clinton, cujo governo vivia um boom econômico e as eleições estavam longe.
Em dezembro de 2019, a Câmara dos Representantes aprovou o impeachment de Donald Trump por abuso de poder (230 a 197) e obstrução do Congresso (229 a 198). No julgamento do Senado, os democratas contam com apenas 47 votos (incluindo um senador independente). Faltariam 20 votos para destituir o presidente. Há guerra de narrativas: CNN (democrata) versus Fox News (republicana). Há guerra cultural nas redes sociais: homem branco, heterossexual, anglo-saxão e nacionalista versus movimentos de mulheres, negros, LGBT e imigrantes. Haverá pressão das mídias sociais sobre senadores republicanos, que votaram contra Bill Clinton há 21 anos, para que votem de maneira coerente contra Donald Trump. Mas isso não vai acontecer, a economia está crescendo e o desemprego é o mais baixo desde 1968. O impeachment tornou-se arma política dentro do jogo democrático de acordo com as regras do presidencialismo. Ambos os lados focam nas eleições de novembro para romper o impasse do país dividido. Sem a maioria dos votos populares, a eleição no Colégio Eleitoral pode ter novamente o mesmo e dramática resultado final.