Por que os chamamos de Fascistas

Afinal, por que a alcunha de fascista vem de forma tão espontânea a mente quando pensamos nas atitudes e valores de muito da classe média? Não entro no mérito da precisão do conceito, mas no porquê as semelhanças são para nós tão intuitivas.

Debatendo com alguns colegas sobre a política velada de extermínio contra a população pobre e negra ou indígena, discordei sob os riscos de rompimento e desconfiança dos demais.

Em relação aos indígenas no Brasil, precisamos analisar por uma outra ótica, inclusive considerando o papel das instituições tanto se omitindo quanto cooperando veladamente com isto. Os indígenas tem suas terras visadas é interessante, para os que almejam as riquezas minerais e naturais que ali se encontram desalojá-los ou exterminá-los como cultura.

Quando o atual presidente fala em dividir ou pagar royalties com os índios por suas terras isto significa que seu modo de vida, sustentável e harmonioso com a natureza, é desprezada em relação a formas de relação mais predatórias com a natureza. O alvo não é gens do índio, mas sua cultura que é adversa a formas de produção que tem o lucro como objetivo primordial.

A destruição das culturas indígenas, em seu aspecto sustentável e não folclórico, é uma alternativa combinada e mais politicamente aceitável do que a genocida - praticada há pelo menos 500 anos no Brasil.

Quanto a população urbana e rural inserida precaria e subalternamente no capitalismo, não é bem uma política de extermínio com a qual estamos lidando. As abordagens violentas da polícia contra as populações negras e pobres e a forma como a justiça age de forma punitivista contra os mesmos e humanizada contra os de outras classes e cor nos aponta para algo de outra natureza.

Se quisermos encontrar no Brasil onde os Direitos Humanos são respeitos e cumpridos, devemos procurar em grande parte da classe média e na elite que se serve destes para operacionalizar seu domínio econômico e ideológico. Estes não sofrem com juízes impassíveis, com abordagens violentas da polícia e outros abusos de autoridade - para estes são pensados penas alternativas, brandas e menos radicais como o aprisionamento.

Não podemos falar em política de extermínio nestes casos, pois não se trata de uma política velada ou não de extermínio físico de um grupo ou de sua cultura, como no caso dos indígenas no Brasil. Trata-se muito antes de manter uma hierarquia de valores e posições que sustenta as nossas desigualdades e a riqueza de alguns.

A grosso modo, você não sofrerá violência por ser negro e/ou pobre. Contanto que não ande a noite, não ande com roupas que não sejam uniformes ou roupas comuns de trabalho. Acostume-se com a rotina de vistorias e disciplinas que tem como finalidade mostrar que o poder estar ali presente para ser usado quando se rebelar (aprenda que o governo o domina e não o representa).

Não se empodere, mantenha os hábitos e costumes típicos dos subordinados e ninguém lhe prenderá por desacato ou tomará porrada por falar demais. Entre para uma igreja evangélica, isto soa como adesão ao sistema e conformação com a ordem existente: uma bíblia debaixo do braço e um terninho já mostra rapidamente que esta devidamente domesticado e inofensivo.

Não há problema com a existência de pobres e negros. O problema se encontra quando os mesmos se recusam a serem subalternos. Uma música que desafia os valores e gostos estabelecidos como superiores, como o Funk. Os bailes de rua, improvisados sem o poder do capital ou anuência dos barões políticos.

Os jovens e crianças são os alvos desta política que promove e reproduz estas hierarquias. Por que eles naturalmente desafiam qualquer coisa que não tenha sentido, que seja a próprio exercício de vontade e imposição. Eles não entendem por que precisam baixar a cabeça, não entendem por que precisam obedecer o policial que os tratam como lixo e por que não podem florear e se apropriarem de seus espaços na comunidade.

Serão alvo do aprisionamento e da violência com a qual não mais nos importamos quanto as suas vítimas, tudo isto para manter um sistema pelo qual um minoria se beneficia e vive aqui um paraíso que mal pode ser sonhado por estes jovens pobres a não ser como devaneio.

O se empoderar com um discurso por direitos humanos e respeito a diversidade. A mera crença de que a igualdade deve existir de fato e de que a renda não deve ser o único critério definidor de quem deve ou não ser respeito em seus direitos.

O se empoderar com a compreensão de que sua pobreza não decorre de incompetência ou preguiça, mas de um sistema baseado na herança de privilégios de classe, na exploração de seu trabalho e monopólio político das leis e dos poderes por uma determinada classe e seus lacaios da classe média.

Tudo isto é desafiador. Chamo de simplório qualquer um que acredite que o poder se exerça meramente pela força física e que seus componentes simbólicos e repressivos não se exerçam de outras formas. É preciso que os subalternos se pensem pouco merecedores de direitos e respeito e que seja um dever dos mesmos obedecer sem questionar. Por isto aceitam os piores serviços e tratamento: escola publica, saúde, segurança e saneamento.

Basicamente, o sistema age para manter esta hierarquia, conservar as posições e privilégios. Não é a toa que em tempos de melhorias e direitos para estas populações se levante contra as mesmas forças conservadoras e mesmo retrógradas operadas pela classe média, mas a serviço mesmo de quem esta lá em cima.

Este movimento de reação ao empoderamento desta população e ampliação de direitos guardam muitas semelhanças com o fascismo. Reage ao liberalismo, mas somente quanto ao seu aspecto comportamental - liberal na economia e conservador nos costumes. No caso Brasileiro, eles exigem mais Estado interferindo nas ações morais e ideológicas do que na economia.

Possuem uma visão hierarquizada da sociedade, onde um mundo passado e idealizado surge como modelo para o futuro. Na mitologia dos mais radicalizados da direita e de muitos operadores da classe média, havia um tempo em que a educação, a segurança e política eram melhores - e tudo isto se sustentava por termos um governo autoritário e não democrático nos conduzindo.

Possuem um verdadeiro horror a ideia de que pobres possam ter as mesmas oportunidades e tratamento do que eles. Se possível pagam e compram qualquer serviço ao qual não tenham que compartilhar com os mesmos em igualdade: educação, segurança, saúde, etc. É uma questão mais de dignidade, do que de necessidade - pois nada fazem em termos políticos e profissionais para melhorar estes serviços.

Não veem problema também que aqueles que tradicionalmente exercem o poder os pisem as cabeças. Exemplo: não há tanto problema para eles em pagar uma gasolina ou carne mais cara, ou mesmo sofrer desemprego, contanto que não seja através de um governo que se identifique com os mais pobres. Uma análise simples da nossa realidade dispensa qualquer exemplo aqui para ilustrar isto.

Patriotismo tosco. Vestem a camisa da seleção brasileira para protestarem, dizem que nossa bandeira nunca será vermelha e por aí vai. Mas não se importam com a ausência de uma política econômica e externa que não coloque o Brasil de joelhos diante das grandes potências. O patriotismo é no nível simbólico: é o Brasil velho, dos bem nascidos e brancos, da falsa meritocracia, que defendem e choram em seus protestos ridículos aos domingos.

Nem liberais e nem socialistas:

Nem liberais: recusam a democracia, que tem como fundamento o liberalismo político do século XVIII, clamam por poderes autoritários e veem a representação popular como algo ameaçador ( sintoma de desordem, balbúrdia...) sentem uma psedo nostalgia por tempos em que a polícia tinha mais liberdade que os cidadãos e que nada se dizia ou publicava sem anuência ideológica do governo. Atentam constantemente contra a liberdade de expressão e os direitos das minorias e sua diversidade.

Nem socialistas: acreditam em meritocracia, acreditam que cada um tem em nossa sociedade o lugar que merecem conforme seu esforço e capacidade. Ignoram ou duvidam que a nossa sociedade se organiza assim devido a estrutura política de séculos que sustenta privilégios e reproduz estas desigualdades.

Não se importam com a miséria e com a violência sofridas pela população mais pobres. Se orgulham dos seus privilégios e antes de tudo: SÃO EM SUA MAIORIA OPERADORES DA ELITE E SÃO FUNDAMENTAIS PARA A CONSERVAÇÃO DESTAS INJUSTIÇAS, TOMANDO COMO SEUS OBJETIVOS E IDEOLOGIAS QUE BENEFICIAM AQUELES QUE LHES DÃO ORDENS EM TROCA DE ALGUNS PRIVILÉGIOS.

Possuem horror a uma educação que ofereça aos pobres crítica e reflexão sobre suas condições de vida, mas não se importam que estes mesmos não recebam nem esta educação crítica ou qualquer outra que promova sua inclusão seja na cidadania seja no mundo da ciência. Por isto detestam Paulo Freire, mas não sugerem nada em seu lugar que não seja os modelos militares de escola: disciplinadores, autoritários e valorizam uma educação de repetição e conteudista no lugar de outra reflexiva e crítica.

Adendo: os alunos mais privilegiados continuaram a ter uma educação crítica em que não são tratados como subalternos, onde possuem vozes e inclusive poder tirar professores que não lhes são do seu agrado.

Apoiam a violência física como meio de manter a ordem. Não se importam com as causas sociais e econômicas da dependência química, da delinquência e da marginalidade. Querem agir nas consequências, inibindo o comportamento nocivo e problemático ao invés de atenuar ou eliminar suas causas. Os mais inteligentes entres eles, poucos, sabem que para atuar nestas causas seria preciso distribuir melhor a renda e promover a cidadania nestas comunidades - fora de cogitação!

Nem sempre a classe média, como operadora de interesses destas elites, possuem a consciência de que operam por ideologias. Acreditam estar agindo racionalmente, mas desconhecem os interesses econômicos aos quais atendem e servem. São altamente capacitados, melhores escolas e graduação, porém alienados - do jeito que o mercado gosta.

A classe média baixa, chamo assim aqueles mais pobres que ascenderam socialmente das classes subalternas, ainda mantendo forte vínculo existencial e afetivo com estas, foram traídos por várias tendências que lhes desviaram de sua missão original:

A) Foram atraídos pelo evangelismo e com ele adotaram a meritocracia e a prosperidade como uma dádiva divina. Acreditam que melhoraram de vida por sua fé em Deus e sua inteligência natural. Acreditam que se hoje perderam as vantagens anteriores, isto se deu pelo mesmo partido que promoveu as condições de sua ascensão.

B) O direitismo de Whatsapp: é o tipo que foi cooptado por correntes e táticas de milicias e marqueteiros digitais, que falando sua língua melhor que um William Bonner, os convenceram que sua pobreza é culpa do PT e do comunismo. O brasileiro hoje se informa mais por estes meios do que pelos tradicionais.

C) O centro-esquerdismo do PT: acreditam até hoje que é possível combater a miséria negociando e acordando com os mesmos que se beneficiam da miséria material e moral destas pessoas. Sentaram com banqueiros. latifundiários, industriais, líderes evangélicos e outros que tem flagelado este país.

O apetite deste partido pelo poder tem feito estragos notáveis: política de quanto pior melhor, reformas contra os trabalhadores tem sido aprovadas, sem grandes mobilizações (não falo de protestos pontuais, que se parecem mais com micaretas do que com mobilização política).

Eles tem medo de radicalizar as ruas e perderem o eleitor moderado, que confunde caridade com políticas de inclusão ou que acredita na bondade inerente ao ser humano. Tem medo inclusive de serem perseguidos e impedidos de fazerem a velha política dos acordos e dos cargos comissionados. Por isto na gestão deles as greves, movimentos sociais e ocupações de terra ficaram estagnados.

No fundo, esta classe média baixa, esta comprometida, mais do que admite e ainda mais do que pode perceber, com este mesmo sistema com o qual acredita esta em embate por meio de textões no Facebook, em lacrações no Twiiter e vídeos no Whatsapp.

Se não houver do próprio meio popular as lideranças políticas que coloquem os interesses populares em pauta e com a devida força nas ruas para sustentá-los, o Brasil continuará existindo a favor de poucos e contra muitos - isto sustentados por uma classe média que ACREDITA SER PREDESTINADA A LIDERAR E ESTAR A FRENTE DE TUDO, INCLUSIVE DE LUTAS SOCIAIS PELAS QUAIS NUNCA SE ENGAJOU E IDENTIFICOU INTEIRAMENTE COM SUAS CAUSAS. E não é desta gente que veio a maioria dos que criaram e hoje gerenciam o Partido dos Trabalhadores?

Se as classes mais baixas não tomarem elas mesmas as rédeas dos processos políticos que as afetam, continuarão a penar com a miséria e o descaso - com palhaços, pastores e almofadinhas os enganando como representantes populares.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 20/12/2019
Reeditado em 20/12/2019
Código do texto: T6823336
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