O JAVANÊS DO STF
O homem que sabia javanês, conto de Lima Barreto, narra a estória de um espertalhão com dificuldade para encontrar emprego no Rio de Janeiro do começo do século XX. Então engana um figurão da sociedade - o Barão de Jacuecanga- dizendo-se o único brasileiro que sabia falar javanês no país. Após conseguir o emprego, com único tradutor desse idioma - mesmo não sabendo nada dessa língua-, fica famoso e consegue tornar-se embaixador do País na paradisíaca ilha de Java, hoje Indonésia. O conto é uma ácida crítica à malandragem que está na origem das mazelas que empobrecem e maculam o serviço público no Brasil, contaminando-o com os vícios do empreguismo,da corrupção e do nepotismo. Mostra também que a competência, o profissionalismo, o conhecimento e o mérito nunca foram critérios a serem observados na escolha de funcionários públicos para os escalões superiores. É a esperteza e a propalada malandragem dos nossos macunaímas, juntamente com o compadrismo e a cumplicidade, que se colocam como virtudes na hora de preencher um cargo comissionado, de livre escolha de uma autoridade. Esse conto foi publicado pela primeira vez no jornal Gazeta da Tarde do Rio de Janeiro, em 28 de abril de 1911. Desde então tem sido republicado repetidamente e tornou-se um clássico da literatura nacional, tendo sido inclusive adaptado para o cinema e televisão.
Na verdade, em se tratando de Brasil, ele coloca um tema muito atual. Mostra que nada mudou no país nestes últimos cem anos. Principalmente na Suprema Corte do país, onde os Ministros continuam sendo indicados pelo Presidente da República de plantão, que os escolhe, não pelos critérios previstos na Constituição (notório saber jurídico, reputação ilibada, idade entre 35 e menos de 60 anos), mas pela identidade ideológica e proximidade política que eles têm com seu patrono. Os casos de Mauricio Correia, indicado por Itamar Franco, que era seu compadre, Marco Aurélio Mello, indicado por Collor de Mello, que é seu primo, Dias Toffoli, indicados por Lula, após o mesmo ter sido advogado do PT, só para citar casos mais recentes, são um exemplo disso.
O caso de Dias Toffoli, é mais emblemático ainda. Consta que esse Ministro foi reprovado duas vezes em concurso para juiz de primeiro grau; não fez doutorado nem mestrado, não escreveu livro nenhum, e dizem até que levou pau em prova da OAB. Significa que Lula jogou no lixo o artigo 101 da Carta Magna ao indicá-lo e o Senado também, ao aprová-lo. Se isso não for verdade, as decisões que ele toma confirmam que são, pois até o seu colega Luis Roberto Barroso disse que era preciso um professor de javanês para explicar o confuso voto que ele deu no caso do compartilhamento das informações da UIF e Receita Federal com o MP. Tudo para beneficiar o senador Flávio Bolsonaro, suspeito de se apossar de parte dos salários de funcionários do seu gabinete quando deputado do Rio de Janeiro. Como disse o escritor Giuseppe Lampedusa (Il Gattopardo), “tudo deve mudar para que tudo fique como está.” Faz mais de cem anos que Lima Barreto escreveu seu conto clássico. Mas se fosse hoje, ninguém diria que ele é já é centenário.