Batman e Sérgio Moro: heróis do conservadorismo burro

O herói para o grego antigo era antes de tudo o humano ou semi-deus que atingiam a imortalidade através de um grande feito. Obras espetaculares, cuja a grandiosidade o eleva acima dos demais mortais, cujo o valor os tornam inesquecíveis pela forma como contribuíram para engradecer o gênero humano em suas potencialidade e inteligência.

Dentre estas obras, estariam as grandes abnegações em prol de uma causa, um artifício inusitado para se obter uma vitória ou para se salvar um bem a todos precioso, e assim vai. São portadores de algo que admira os demais seres humanos, que os fazem se orgulhar do que sua espécie é capaz de fazer e acende as esperanças de todos em agregar valor a sua existência individual e coletiva.

Quando o homem conquistou a Lua, o astronauta, em pleno contexto da Guerra Fria, não enalteceu em suas primeiras palavras os EUA, mas a humanidade, consagrou a conquista a humanidade nas celebres palavras "um pequeno salto para o homem, mas um grande salto para a humanidade".

Os deuses dificilmente seriam heroicos neste sentido. Seus plenos poderes os dispensam de sacrifícios ou de algum esforço e inteligência além do esperado. São seres de natureza diferente da nossa, o que fazem não implica necessariamente uma conquista para nossa espécie.

O herói tem carisma, mas um carisma que só exerce plenamente seu poder quando aponta para a descoberta de um potencial para todos, algo de humano descoberto, que possa elevar nossa existência a um patamar superior. Ele descobre, leva o mérito por ser um pioneiro e apontar para a humanidade um curso.

O Superman não se faz de fato herói só por seus poderes, lembrando que alguns vilões de mesma origem que a dele, também tinham poderes similares e nem por isto eram cultuados. Superman se torna herói quando mostra que é possível abdicar de certo conforto e comodidade de um ser poderoso em nome de valores e de um amor a humanidade. Ele é portador de uma ética interessante: agir pelo bem como um valor em si, como um fim e não um meio. Sua superioridade o dispensa de ser alimentado por venerações e adorações - não há dúvidas quanto ao seu poder, ele não é um anônimo e muito menos um medíocre.

Existencialmente, o Superman se torna preso a algo que não pode exercer poder diretamente, que é o amor das pessoas. Estes seres frágeis e vulneráveis podem ter o coração tão duro quanto sua resistência física. É preciso conquistá-los em seus corações.

O caso do Batman é o mais complicado. Ele é um bilionário, seu poder financeiro é algo invejado, mas longe de ser algo que o inspire em admiração heroica. A não ser que ele tivesse saído do nada e adquirido tal fortuna e ainda assim não impressionaria se não apontasse com isto algo para a humanidade ou nos engradecesse como seres humanos. Seria um feito para si mesmo.

Batman extrai da indignação contra o roubo, o assalto, o homicídio e a violência cotidiana em geral seu fraco heroísmo. O heroísmo do Batman é compensar as brechas e limites da lei e da Justiça, para fazer justiça. Fazer o que ninguém pode legalmente fazer, mas que gostaria de fazer. É a justiça pessoal, que atropela as leis e os processos, e que considera o próprio julgamento e procedimento como complementar ao do próprio sistema. Ele representa o resquício de vingança que existe em nossa expectativa quanto a justiça.

Não sem motivos, Sérgio Moro era representado como um heroi para os brasileiros: agia fora dos procedimentos com uma convicção prévia a estes de que o réu era culpado, jogando com a mídia, vazamentos, não só para condená-lo, mas para inviabilizar sua candidatura.

As Forças Armadas, como forças interventoras, também são clamadas ao heroismo, pela mesma crença de que o sistema não dá conta ou esta corrompido. É preciso substituí-lo ou complementá-lo.

Não é sem motivos que surge no seu horizonte o maior vilão que ele teve que enfrentar: o Coringa. Este personagem duvida da ética, zomba dos valores que fundamentam esta sociedade como se fossem hipocrisia. Coringa vê tudo como parte de um sistema corrompido e decadente que se vê no direito de punir os crimes marginais sem olhar para os próprios crimes que pratica contra os mesmos.

A diferença entre o Coringa e o Batman é que este acredita nos valores morais e éticos, mas acha o sistema ineficaz, então ele o complementa. O primeiro não fala em ineficácia, ele questiona se tais valores morais e éticos são os verdadeiros valores por trás do sistema, se não são meras fachadas para esconder algo sórdido.

Batman vê a ineficácia como resultante da burocracia, do apego a lei e aos procedimentos. Coringa não vê em termos de eficácia, mas em termos de uma sociedade que não consegue sustentar sua fachada moral e ética quando colocada em teste ou em crise. Por isto ele provoca as crises e submete as pessoas a decisões entre o egoísmo e a ética.

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O heroísmo de Batman não se contesta por sua crença nos bons valores sociais, afinal o cidadão comum, com todas as suas limitações intelectuais e culturais, ainda zela por certa ética. A maioria das pessoas, se conhecessem o Coringa dos quadrinhos, sociopata de verdade, não o admiraria.

Sim, as pessoas tem interesse por histórias de psicopatas, mas não creio que por invejar sua frieza, mas para entenderem como pessoas que se passam por normais e bem sucedidas serem capazes de atrocidades gratuitas e covardes.

O cidadão comum não deseja tão abertamente usar as pessoas e descarta-las, os que fazem ainda recebem a indignação e a rejeição pelo mesmo. As pessoas mesquinhas e pobres de espírito ainda existem por que se escondem ou acreditam que não são notadas como tais.

O mundo do Coringa não existe ainda, mas tem forte potencial para existir se continuarmos a reduzir as pessoas a meros números, consumidores e mão de obra barata. Não estamos longe de um mundo, onde já profetizava Jesus, onde o amor se esfriará. Quando isto acontecer, o mundo ainda será pior do que aquele dos delírios do Coringa.

Batman não enxerga isto. Ele é como aqueles conservadores cegos que tomam a aparência de um problema ou seus sintomas como o problema em si. Não enxerga que a criminalidade é fruto de uma degradação da vida social. Acredita que com a mera violência e com uma força extra judicial ele manterá as coisas em ordem. Não percebe como as coisas tem se degenerado e como um Coringa pode ser um sinal de que algo esta dando errado com a forma como vivemos.

Batman é como aqueles conservadores burros, a maioria, que acreditam que o mina as instituições são os comunistas, a esquerda, e não as contradições dentro das instituições ( falso moralismo e corrupção) e o peso do poder econômico sobre as mesmas instituições.

Batman neste sentido é um herói fracassado, pois carece de uma grande causa pela qual poderá mostrar seu potencial e acrescentar a humanidade algo a mais sobre sua espécie.

Seu poder não vai além do dinheiro. Mesmo que ele vá viver em uma favela, em meio a guerrilheiros e marginais, ele sempre conta com uma estrutura financeira que dará suporte quando tiver que sair da merda. Coisa que quem esta metido nela não pode nem sequer sonhar, não existe um se der errado eu saio. Para pessoas comuns existe um se der errado eu fico ou morro aqui.

As pessoas superam medos e perdas todos os dias. Não se tem heroísmo nisto, é mais até uma necessidade do que um capricho para alimentar o ego. Perdeu os pais quando criança? Superou seu medo de morcego? Milhões de pessoas passam por isto, mas será uma minoria delas fará sem ter um Alfred e uma mansão.

Enfim, só consegue levar a sério um Batman herói quem se identifica com certa linhagem de conservadorismo e visão justiceira do mundo. Muitos não entendem como a periferia e tantas pessoas comuns se identificam com o Coringa e muitas vezes mais do que com o Batman.

Simples, o cidadão comum quanto mais abaixo na hierarquia social, mas sente o sistema como um fardo e algo opressor, quanto mais miseravelmente vive e é explorado. Como ele pouco recebe do sistema em forma de saúde, educação e segurança, e até mesmo se sente enganado por ele, as obrigações que ele recebe deste sistema serão sentidas como injustas. Então ele intuitivamente se identifica com o Coringa, enxerga nele a insatisfação com as coisas como são.

Este cidadão, para suportar a injustiça, sente sede de ilusões, de quem o convença contra os fatos e sua intuição, de que o mundo é justo e bom como faz agora os evangélicos. Antes os evangélicos o convenciam de um mundo melhor no além. Agora o convencem de que se Deus quiser, um dia ele terá milagrosamente a prosperidade nesta vida. O tolo desconhece completamente o que torna um rico e outro pobre, por isto acredita tão facilmente em forças mágicas atuando.

Diferentemente de quem recebe as vantagens e obrigações que a sociedade impõe de forma igual, muitas vezes com mais vantagens do que com obrigações. Este cidadão no caso ele quer conservar, naturalmente. Ele não quer mudança, ele quer ganhar mais e não perder. Não interessa mudanças que ameacem suas vantagens.

Este cidadão não é inimigo da ordem, mas de quem se opõe a ela. Ele se preocupa com sua propriedade e com sua vida, até mais do que os outros, pois ela é de extremo valor, maior do que a vida de tantos miseráveis. O miserável sabe quanto vale sua vida, assim como o policial e as forças públicas sabem o quanto vale a vida dele e quanto a vale a vida do outro melhor qualificado na vida.

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Não deveria nos surpreender que certas crenças e estruturas mitológicas ainda vigorassem em nossos dias. O homem comum ainda vê a sociedade como algo que transcende a compreensão humana, algo misterioso e inexplicável.

Tal como a natureza que antes lhe oprimia pelas suas forças caóticas e imprevisíveis, hoje a sociedade que construiu o oprime como algo ininteligível e caótico e busca na mitologia e na obscuridade as mesmas respostas.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 19/10/2019
Código do texto: T6773622
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