A NOVA ORDEM ECOLÓGICA E A CONDIÇÃO HUMANA
Milton Pires
Ao escrever “A Nova Ordem Ecológica”, Luc Ferry cometeu, no meu modesto entendimento, um erro fundamental logo no início:
Se entendi corretamente, Ferry tentou mostrar a antinomia, o paradoxo, a impossibilidade de conciliação que existe entre o legado do Humanismo deixado pela Revolução Francesa e aquilo que ele chamou de “ecologia radical” .
Diz o autor, ao meu ver com toda razão, que o Humanismo pretende negar qualquer tipo de “essência natural da condição humana” para fundá-la, ela mesma, num conceito transcendental de “liberdade”.
O que caracteriza o homem, na Definição Humanista, é a Liberdade. A definição do ser humano é pois, necessariamente, ser indefinido, é ter o que se chama livre-arbítrio para exercer sua liberdade e isso se opõem ao determinismo radical quer seja ele biológico ou sociológico.
Ela, definição Humanista, cria ao mesmo tempo um paradoxo entre Ação Humana - que retrospectivamente cria o que chamamos de História e adquire, no presente, uma forma simbólica que definimos como Cultura - e aquilo que a tradição romântica chama de “Natureza”.
O homem é, para o Iluminismo, o ser antinatural por excelência - afirmação com a qual eu não concordo e afirmo que a mim me parece que o homem não é ser "antinatural", mas sim um ser cuja própria "essência" NÃO pode ser compreendida de maneira RACIONAL.
Vai daí uma enorme distância e torna-se obrigatório entender a diferença entre aquilo que é natural e aquilo que é racional - coisa que, no texto, Ferry não faz.
Ferry, assim ao menos me parece, entende que a origem da pretensa nulidade, da indiferença entre um “direito da natureza” e “direito” do homem, reside nas ideias românticas radicais que sustentaram que é a ignorância dos mecanismos biológicos finais que cria, para os humanistas, a “fantasia” do livre arbítrio perante uma natureza que é “comum ao homem e ao animal”.
Spinoza sustentaria, assim quero crer, que o homem não é mais livre do que são gato e o pombo de Rousseau que são colocados, o gato perante uma tigela de grãos e frutas e o pombo perante pedaços de carne, como exemplo de soberania da natureza.
Rousseau diz que tanto o gato quanto o pombo morreriam de fome e Spinoza, ao que me parece, diria que só pensamos diferente em relação ao ser humano porque não conhecemos (ainda) tudo aquilo que determina seu comportamento – assim, pensa Spinoza, criamos a “ilusão de liberdade”. Diz ele que os homens em geral acham que são livres porque escolhem entre possíveis, mas desconhecem as causas pelas quais são levados a escolher, e por isso lutam por sua servidão como se fosse por sua liberdade.
Em outras palavras – Ferry dá a entender que a indeterminação da essência do ser humano é antagônica à pretensão romântica de um “direito da natureza”.
Ao MEU ver ela, indeterminação ontológica do ser na visão do Iluminismo, longe de ser antagônica à ecologia radical, é condição formal para sua emergência.
É dela, indeterminação da natureza humana, que nasce – aí sim – a base, a condição universal e necessária para Ecologia Radical – a negação de toda Cultura e de qualquer civilização que possa surgir a partir da “natureza humana”, já que o ser humano, por definição Iluminista, não tem “natureza” alguma; só liberdade.
É isso que faz uma criança segurar um cartaz dizendo “queimem os fascistas; não as florestas”.
Na máxima que prega “queimar fascistas e não florestas” está NÃO uma negativa de todo projeto humanista, mas a consequência radical daquilo que chamo de projeto de indeterminação ôntica – o fascista precisa ser queimado NÃO porque a floresta tem uma essência geradora de um direito dentro da estrutura da realidade, mas porque o ser humano é que “não tem nenhuma”.
para o pai e para o Cacá,
Porto Alegre, 28 de setembro de 2019.
REFERÊNCIAS:
1. Ferry, L. A Nova Ordem Ecológica - Editora Difel, 2009.
2. Rousseau, J.J. Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens - L & PM Editores, 2008