O Brasil no Fundo do Poço.

(Milton Pires)

Assevero ao leitor ser minha intenção escrever sobre parte da minha vida, sobre a realidade que a mim me cerca e sobre aquilo que julgo antever no que diz respeito ao nosso futuro.

Quisera eu poder fazê-lo com a grandeza de um Ruy Barbosa, de um Euclides da Cunha ou Gilberto Freyre...quem me dera encarnar Raymundo Faoro, Mário Ferreira dos Santos…ter a razão, a caridade de um Paulo Pires, meu pai, que tanto me ensinou a ler...a escrever...a pensar…

Eu gostaria de mesclar o apolíneo com o dionisíaco, logos com hybris, invocar as Musas e as Fúrias sem terminar no meio termo nacional, na mais brasileira das escolas de Filosofia que se manifesta nas conclusões “pragmáticas” de um jantar do MDB, de uma reunião de “lideranças”, de um “pacto por um Brasil de todos”...

Deus não me deu tais recursos e ainda assim sinto-me grande …Não, meu caro leitor, eu não escrevo do cume das montanhas geladas da Europa de um Nietzsche ou de um Cioran...eu não nego a realidade da vida em função do desespero, não crio novos valores para trans valorizar a vida na realidade de um super-homem…

Eu escrevo ao nível do mar, eu estou na planície...Tenho estatura normal e ainda assim sou um gigante. Não estou nas montanhas e nem por isso deixo de me elevar acima de todos...São aqueles que me cercam que estão num abismo. Não são pequenos; só estão lá embaixo.

Não se ofenda, leitor, se digo aqui que escrevo para os loucos e para os idiotas. Sinta-se idiota e louco comigo, eu assim o convido, lembrando que o louco mais famoso da História atirava-se contra moinhos de vento encarnando Platão no mundo de uma Espanha sem ideias...que o maior de todos os idiotas, recuperado de suas crises epiléticas, era assim chamado por invocar Kant ...numa Rússia sem qualquer fundamento moral.

A diferença entre os gênios e os idiotas não é aquilo que sabem, é o sentimento gerado neles por aquilo que ainda não sabem. O idiota não sente nada, o gênio sente-se perplexo.

Vinte cinco ou trinta anos atrás, ainda um simples idiota estudante de Medicina, mergulhado em orgulho e certeza de tudo, pouca gente tolerava conversar comigo. Se esse que sou eu hoje pudesse, num paradoxo do tempo, encontrar aquele outro, a reação não seria diferente.

Petista e comunista fanático, pouca gente tinha paciência para me ouvir. Ainda assim, na minha idiotice, algo fascinava certas pessoas – era o meu idealismo, minha capacidade de espanto que, ainda que voltada para uma ideologia assassina, fazia de mim um ser humano em quem se podia depositar esperança.

Certa vez ganhei de uma moça, covarde no seu amor por mim, aquele poema do Drummond ...aquele sobre o Elefante...sobre o “mundo que não acredita mais nos bichos”...que no fim do dia se desfaz aos pedaços porque “a cola se dissolve”, o papel se solta, o “mito se desmonta”…

Pobre elefante, pobre de mim (e do Brasil que não desmonta um “Mito”) – ela não teve coragem de dizer...Não era eu um dos elefantes de Alexandre atacando a Índia*, eu não estava com Aníbal invadindo a Europa...e ainda assim eu me atirava contra os moinhos de vento...eu convulsionava de esperança por um outro Brasil. Quixote ou Míchkin eram nomes que a coitadinha não conhecia, preferiu me chamar de elefante...

Enquanto escrevo, assola o abismo, o Hades chamado Brasil, a indignação com um promotor que reclamou de um salário de vinte e quatro mil reais…Ausência total de apoio à tentativa de um prefeito brasileiro de recolher livros infantis escritos por gays comunistas e vendidos na Bienal do Rio de Janeiro.

Da planície, da terra ao nível do mar, eu olho para o buraco e para os seres minúsculos, para estes pequenos homenzinhos e mulherzinhas que me chamam de louco...que estão lá embaixo no “Brasil real”, no mundo que não é dos elefantes ...dos idiotas...

Eu olho para o mundo em que vale o conselho que muitos anos depois me deu a mesma mulher do século passado dizendo - “Deixa, Milton, que os outros briguem por ti...não te expõem, não te queima...não estraga tua carreira...”

Tragédia, disse Goethe dirigindo-se ao chanceler Von Müller, é toda situação onde não existe acordo. A moça que me amava está perdoada: ela é brasileira e eu, de quem ela tanto gostava, também sou – no Brasil não existem tragédias. Ela não queria que acontecesse uma tragédia na minha vida...que a minha vida deixasse de ser brasileira na maior de sua dimensões - a ausência de qualquer tragédia.

Ao meu redor, a indignação causada pelas reclamações do tal procurador de justiça é universal: desde jornalistas gaúchos liberais que moram na Flórida e pedem o fim da estabilidade no Serviço Público até gente que vaga pelas ruas com bandeiras da Coreia do Norte e incendeia lixeiras pela liberdade de Lula…

O dinheiro é, literalmente, o único valor do mundo que me cerca. Certas pessoas são, alguém já o disse, tão pobres, tão pobres, que a única coisa que tem é o dinheiro. E as que não tem dinheiro não são capazes de construir, de elaborar qualquer outro valor moral, outro símbolo paquidérmico, elefantino, platônico…que possa representar a salvação nacional...

A mim me chegam imagens de um deputado federal, com uma pistola na cintura, sendo fotografado ao lado do pai no hospital.

Cena patognomônica para um família de milicianos, de um protestantismo hipócrita que jurou que lutaria contra a Revolução Cultural e de uma ética que não admite nenhuma das possibilidades imaginadas por Max Weber – a convicção ou a responsabilidade…

Ah, “coitadinho de mim”, disse certa vez um doente mental, locutor de uma rádio de fanáticos católicos que conseguiu enganar um célebre filósofo da Virgínia...eu ainda vivo no mundo das ideias, das utopias, dos elefantes de Drummond...incapazes de servir a Alexandre, de se aliarem aos exércitos de Aníbal…

Vai haver um Golpe no Brasil. Não será um Golpe de Estado, será um Golpe DO Estado...um golpe das Forças Armadas, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal...um Golpe da Família Bolsonaro em aliança com todo “Centrão” contra o “resto”, contra isso que se chamamos de Sociedade Brasileira…e que só poderá ser percebido – se for – pela exoneração de Sérgio Moro e pelo fim da Lava Jato.

Fora do fundo do poço...centenas de quilômetros acima deste inferno chamado Brasil eu escrevo na calada da noite...e mesmo que eu me descole, que eu me desfaça em pedaços de papel...tenho o céu estrelado sobre mim e a Lei Moral em mim…

Deus é minha única testemunha...isso é mais do que suficiente.

Porto Alegre, 10 de setembro de 2019.

*Nota - Alexandre, o Grande, NÃO "invadiu" a Índia usando elefantes. Ele venceu o Rei Poros, na Batalha de Hidaspes, em 327 AC. Eram aqueles que HOJE são hindus que usavam elefantes, não Alexandre. Ocorre que Alexandre os derrotou e, aí sim, passou a usar os animais primeiro CONTRA os próprios indianos e depois foi o primeiro soberano europeu a levar a ideia para o Ocidente. Alexandre teria dito: “Finalmente encontrei um perigo à altura da minha grandeza“

cardiopires
Enviado por cardiopires em 10/09/2019
Reeditado em 11/09/2019
Código do texto: T6742019
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