AS LEIS (Platão) - Livro VIII
Tradução comentada de trechos de “PLATÓN. Obras Completas (trad. espanhola do grego por Patricio de Azcárate, 1875), Ed. Epicureum (digital)”
Além da tradução ao Português, providenciei notas de rodapé, numeradas, onde achei oportuno abordar pontos polêmicos ou obscuros. Quando a nota for de Azcárate, um (*) antecederá as aspas.
“Não é a primeira vez que adentramos este assunto (a natureza dos governos): a democracia, a oligarquia e a tirania. Com efeito, se tens de dar-lhes um verdadeiro nome, não são governos, senão facções. A autoridade não é exercida por mútuo consentimento; só o <mando> é voluntário; a obediência é sempre forçada. Os governantes, desconfiando constantemente de seus súditos, não raciocinam com exatidão sobre as aparências que vêem: a virtude, as riquezas, a força e os valores.”
“um homem deve saber correr armado, pois não merece recompensa o correr mais rápido sem nenhuma arma” (Neste contexto, o Ateniense fala de modificações aos jogos olímpicos, cujas modalidades não fazem sentido se não preparam os competidores para conflitos reais.)
“Se os homens, atendendo ao instinto da natureza, restabelecessem a lei em vigor até os tempos de Laio,(*) estipulando que <os homens não tenham com os jovens comércio que só deveriam ter com o sexo oposto>, usando como justificativa para tal reforma e restauração da lei antiga a própria animalidade em si mesma, nem por isso Creta e Esparta ficariam contentes.”
(*) “Eliano, livro 12, 100:5 & al. dizem que Laio introduziu pela 1ª vez na Grécia estes <amores detestáveis> e que raptou Crisipo, filho de Pélope. O motivo alegado de sua homossexualidade seria a previsão do oráculo de que, se tivesse um filho, por ele seria assassinado. Procurou, portanto, não <ter comércio> com mulher alguma, porém acabou falhando num momento de embriaguez.”
“ATENIENSE – Sabeis que, hoje mesmo, a maioria dos homens, a despeito de toda a corrupção dos costumes, se abstém fiel e cuidadosamente, em determinadas ocasiões, de todo comércio de mau gosto com pessoas formosas, não só sem sentir-se com isso em apuros (necessitando suprimir o próprio ímpeto violentamente), como até mesmo de boa-fé?
MEGILO – De que ocasiões falas, Estrangeiro?
ATENIENSE – Quando se tem um irmão ou irmã muito belos. Uma lei não-escrita também proíbe o pai de amar carnalmente seu filho ou sua filha, sendo que não lhe é lícito deitar-se com eles nem em segredo, muito menos em público. Também sabes que é crime um parente abusar do corpo de outro, seja para gratificar-se a si mesmo ou para produzir-lhe dano (golpeá-lo ou matá-lo). E felizmente, Megilo, sequer passa pela cabeça da grande maioria dos cidadãos cometer esse tipo de atrocidade.”
“A maioria do que se refere à propriedade privada nem vale a pena que discutamos, pois já está assentada pela tradição e seria pernicioso empreender reformas inúteis nestas pequenezas e obviedades. (...) Aquele que faça colheita de uvas ou figos, na propriedade de outrem ou mesmo na sua própria, antes do tempo que a natureza prescreveu (a aparição da estrela de Arcturo no céu), terá de pagar uma multa de 50 dracmas, consagradas a Dioniso (provado que foi em seu próprio campo), ou de 1 mina (no campo de um vizinho). Pagará, ainda dois terços de uma mina se isso tiver ocorrido em qualquer outro campo que não o de um de seus vizinhos. Já quando se fala da estação fértil ou de parreiras ou figueiras cujos frutos apodrecerão se não houver quem deles desfrute, pode-se pegar os que se queira, dentro do próprio terreno; quando isso ocorre no campo alheio sem autorização do proprietário, a pena prescrita será conforme a lei que versa sobre arrancar o que estava fincado ou fixado, o que é o mesmo que roubar. Mas frutos que já caíram, se o dono não se preocupou em colhê-los, são propriedade comum e pertencem ao primeiro que quiser aproveitá-los. Tudo isso está em Sólon.”
“Quanto às pêras, maçãs, romãs e que-tais, não se considera trapaça tomá-las ocultamente; porém, se alguém menor de 30 anos for pego in fraganti, cabe a quem o detectou infligir-lhe o castigo e assegurar-se de que ele não se apossará dos frutos; tudo bem, desde que o infrator não seja ferido. (...) O cidadão de mais de 30 que se contentar em comer, sem ter a intenção de levar em estoque, gozará do mesmo direito, bem como qualquer estrangeiro; mas se age contra a lei se arrisca a ser um notório não-virtuoso, no caso de ser testemunhado e comunicarem aos juízes, caso um dia se indague publicamente e em processo sobre seu caráter.”
“Cidadãos, e mesmo servos de cidadãos, não devem exercer profissão mecânica. (...) O artífice ferreiro não deverá trabalhar com madeira; e que nenhum artífice carpinteiro permita que trabalhadores sob sua chefia mexam com o ferro, pois não se aceitará a escusa de que se tem muitos escravos e não se pode vigiá-los todos, nem a de que existe vantagem em ter pessoas consigo trabalhando outros materiais que não sua especialidade.”
“Qualquer estrangeiro que desempenhe dois ofícios simultaneamente está sujeito à prisão e ao pagamento de multas, quando não for melhor expulsá-lo da cidade – tudo para que tema ser castigado por ser muitos homens e contente-se em ser apenas um.”
“Está proibido pagar imposto pela importação ou exportação. Mas que não se traga de fora nem incenso nem perfumes estrangeiros desses que se queimam nos altares dos deuses, nem tecidos luxuosos, como púrpuras, nem tinturas que não se vêem no país; se outras artes já subsistem com materiais nacionais, não faz sentido importá-los do estrangeiro; também será proibida a exportação de riquezas que se entenda que não devam sair.”
“Quanto às armas e demais insumos bélicos, se para fabricá-los for necessário contratar artesãos estrangeiros, bem como importar madeiras e metais determinados, cordume, um ou outro animal, os generais e comandantes da cavalaria serão os responsáveis pelo trânsito, pela entrada e saída das coisas, pelo recebimento e entrega, não como indivíduos, mas enquanto representantes da polis, sendo que agirão conforme leis a ser expedidas pelos guardiães, que não carecem ser excessivas nem muito pormenorizadas.”
“Será estabelecido um mercado público para todas as trocas monetárias; não sendo permitido vender sua mercadoria a prestações. Aquele que assim vender seu bem, contando com a boa-fé do comprador, não poderá depois fazer reclamação se o comprador faltar com seu compromisso.”