AS LEIS (Platão) - Livro VI
Tradução comentada de trechos de “PLATÓN. Obras Completas (trad. espanhola do grego por Patricio de Azcárate, 1875), Ed. Epicureum (digital)”
Além da tradução ao Português, providenciei notas de rodapé, numeradas, onde achei oportuno abordar pontos polêmicos ou obscuros. Quando a nota for de Azcárate, um (*) antecederá as aspas.
“Os magistrados, depois de recolherem os nomes dos 300 com maior número de votos, exibi-los-ão em praça pública, e os eleitores deverão proceder livremente a outra eleição dentre estes 300.¹ Pela segunda vez os eleitos serão divulgados – desta vez, 100 nomes. Proceder-se-á a uma terceira eleição, e assim sucessivamente, até chegar à última subdivisão; e então os 37 candidatos com mais votos ao final serão declarados os magistrados da cidade.”
¹ Aproximadamente 0,05% dos cidadãos.
“segundo o provérbio, o começo já é a metade da obra [Hesíodo].”
“toda colônia em seu nascimento é como um bebê, incapaz de prover às próprias necessidades; ele depende daqueles que lhe deram a bênção da existência, e estes por esta mesma razão cumulam-no de carinhos, por mais que no dia de amanhã possa haver desavenças entre ele e a família.”
“o que está bem-dito não é importuno se dizer duas vezes”
“Quanto aos 37, eis suas funções: 1) guardarão as leis; 2) armazenarão os documentos onde estará discriminada a riqueza de cada cidadão, sendo vedado a qualquer um acumular mais de 4 minas ou 400 dracmas (na primeira classe), 3 minas (na 2ª), 2 (na 3ª) e 1 (4ª) (…)”
“O cargo de guardiães das leis não excederá 20 anos, e não poderá ser assumido por alguém com menos de 50. E, seguindo esta regra, aquele que for eleito aos 60 poderá exercer a magistratura por no máximo 10 anos. Aos 70 anos dar-se-á irrevogavelmente a aposentadoria.”
“O Senado terá 30 dúzias de membros (360 senadores); este número, não à toa, é mui cômodo para as divisões. A primeira que faremos é tomar o Senado por 4 partes iguais, cada uma constituída de 90 senadores. Estes serão os representantes inter-classes censitárias. No primeiro dia após a eleição dos magistrados, todos os cidadãos estarão obrigados a tomar parte na eleição dos senadores da primeira classe; pagará multa (fixada pela lei) todo aquele que falte com seu dever, de qualquer uma das 4 classes. (…) aqueles justamente da terceira e quarta classes que não comparecerem à votação dos senadores no terceiro e quarto dia das votações, destinados a eleger os representantes das 3ª e 4ª classes, não serão penalizados sob qualquer forma. Nem haverá qualquer tipo de sanção se nenhum candidato para estas vagas das terceira e quarta classes for apontado dentro de suas respectivas classes. Mas que fique bem claro que se os cidadãos das duas primeiras classes se ausentarem nos dias das eleições destes senadores das classes que lhes são inferiores pagarão uma multa mais pesada: o triplo da multa-padrão, no caso dos eleitores da 2ª classe, e o quádruplo, para os da 1ª. No quinto dia os magistrados abrirão as urnas para a contagem, em público. Todos, sem exceção, estão obrigados a refazer a eleição dentre os que tenham sido votados pelo menos 1 vez, num segundo turno. A pena é novamente a multa, a mesma que sofre o eleitor da 1ª classe que falta ao 1º dia de votação.”
“As eleições, como acabo de descrevê-las, seriam um ponto médio entre as eleições monárquicas e as democráticas, hibridismo que considero essencial a todo bom governo (…) Não há igualdade entre coisas desiguais, a não ser considerando as devidas proporções: o que provoca sedições nos Estados são os extremos da igualdade e da desigualdade.”
“Parece-me que o conhecimento exato do país é uma ciência, a mais importante das ciências. Eis por que os jovens devem se dedicar à caça, com cães ou como mais for estabelecido, costume que deverá unir prazer e utilidade.”
“Um juiz que nada acrescenta ao discurso dos advogados nos litígios não merece o cargo que ocupa”
“ATENIENSE – Espero que saibas que o trabalho dos pintores, nas imagens que representam, em tese não tem fim, e na verdade vês que nada criam, apenas saturam ou desbotam as cores a fim de variar uma imagem já existente. Não espero que os pintores utilizem o mesmo vocabulário que o meu para sua arte. Mas quero apenas que te atenhas ao significado de minhas palavras: um quadro jamais é tão perfeito que não se possa acrescentar alguma coisa, de modo a torná-lo ainda mais belo e expressivo.
CLÍNIAS – Digamos que sei-o de ouvir dizer. Não sou conhecedor dos princípios da pintura.
ATENIENSE – E não perdeste nada.”
“Agora diz-me: a empresa do legislador não parece a do pintor? O legislador propõe-se desde o começo a formar o corpo de leis mais perfeito possível; mas, com o tempo, quando a experiência já o tiver ensinado a julgar a própria obra, crês que haja um só legislador desprovido de senso a ponto de desconhecer que deixou detrás de si, e é impossível que não tenha deixado, vários traços de imperfeição, sendo seu ofício voltar atrás e dar algumas pinceladas em algumas de suas leis mais antigas, corrigindo-as? Ou, quando muito, pensa num mural público: um legislador corrige e melhora as leis de outros legisladores, como um pintor de uma obra que ele não começou também pode fazer a mesma coisa. Ora, se queremos um Estado que não decaia e degenere, não é preciso que assim sejam as coisas?”
“fala-se muito dos escravos e da faca de dois gumes que é possuí-los: são úteis e perigosos.”
“É evidente que o homem, animal de difícil manejo, não consente senão muito a contragosto que se estabeleça, na sociedade dos homens, esta distinção entre homem livre e escravo, senhor e servidor, dono e propriedade, que a necessidade introduziu, não é mesmo? (…) as revoltas freqüentes ocorridas entre os messênios, os males a que estão sujeitos os Estados onde há muitos escravos falando a mesma língua, e até o que se passa na Itália, em que escravos vagabundos exercem toda classe de bandoleirismo, são todos uma prova evidente disso.” “A maneira de se portar com aqueles que se pode impunemente maltratar é o que deixa ver se se ama com sinceridade a justiça e se se odeia de verdade tudo o que tem o selo da injustiça.”
“Quando um escravo cometeu um mal, é preciso castigá-lo e não limitar-se a meras repreensões, como se faria se se tratasse de uma pessoa livre, porque isto fá-lo-ia mais insolente.”
“Este sexo, que é de um caráter muito diferente do nosso, pela própria debilidade congênita, se vê mais inclinado que nós homens a se ocultar e caminhar por vias tortas. O legislador, vendo que era mais difícil o governá-las, errou, ao abandoná-las à própria sorte.”
“Como se evitaria o ridículo caso se tentasse sujeitar as mulheres a comer e beber em público?”
“É preciso que cada um compreenda que o gênero humano nunca começou nem nunca há de terminar, mas que sempre existiu e existirá sempre, ou pelo menos que sua origem se perde em tempos tão remotos que é quase impossível determinar essa época.”
“O costume de sacrificar homens se conservou até nossos dias em muitos países. Em outros, por outro lado, não se atreveriam sequer a tocar a carne do boi. Neles, não se imolavam animais sobre os altares dos deuses; contentavam-se em oferecer-lhes frutas, mel e outros dons que não exigiam a derramada de sangue. Se abstinham do consumo de carne, crendo não ser lícito comê-la, muito menos manchar com sangue os altares dos deuses. Os costumes daqueles tempos é o que nos recomendam os mistérios de Orfeu, que prescreve alimentar-se daquilo que é inanimado e abster-se de tudo que é dotado de vida.”