REPÚBLICA DOS COMPADRES

Fui auditor fiscal da Receita Federal durante vinte e três anos. Entrei para o serviço público em 1978, em plena ditadura militar. Não me lembro de nenhuma época, durante o tempo em que atuei, que a coisa fosse diferente do que está sendo agora. Os cargos de chefia, chamados DAS (Direção Administrativa Superior), na Receita Federal, sempre foram preenchidos através de indicação política. Nos anos oitenta e princípio dos anos noventa, quando o caos econômico imperava em nossa economia, com inflação de até 500% ao ano, todo ano mudava o Ministro da Fazenda; este, por sua vez, trocava o Secretário da Receita, que por seu turno mudava os superintendentes regionais, que nomeavam os delegados de sua escolha e estes os chefes de divisão de sua preferência. Era uma rotatividade tão grande nos cargos da Receita, que qualquer planejamento se tornava impossível. E praticamente, todas as nomeações eram apadrinhadas. Quem não tivesse um político de expressão como padrinho jamais conseguia um cargo de delegado da Receita Federal, e muito menos de superintendente regional. O nepotismo era marca registrada nessas nomeações. O superintendente da Receita Federal em São Paulo, a mais importante região fiscal do Brasil, por exemplo, no governo Sarney, era um sobrinho de Dona Marly, esposa do presidente Sarney, indicado pelo Zequinha Sarney. Na Inspetoria do Aeroporto de Guarulhos, uma das mais importantes alfândegas do país, dizia-se que quem nomeava o Inspetor era o deputado Waldemar da Costa Neto. Em Santos mandava o Mário Covas e outros políticos da baixada. E assim por diante. No governo Collor, até pessoas de fora da carreira foram nomeadas para cargos na Receita Federal. Romeu Tuma, por exemplo, que foi Secretário da Receita e Diretor da Polícia Federal, não pertencia, de origem, a nenhuma das duas instituições. Era da polícia civil de São Paulo.
E assim era também na Polícia Federal e outras estruturas do Governo. Os cargos no serviço público, no Brasil, sempre foram feudos loteados entre grupos políticos. Presidentes, governadores e prefeitos usam esses cargos para fazer aliados, da mesma forma que usam as chamadas emendas parlamentares. Tudo faz parte de um esquema bem urdido que funciona no país inteiro. Isso existe desde que os portugueses começaram a colonização do Brasil, implantando aqui as tais capitanias hereditárias, que eram territórios loteados entre os apoiadores do rei. Estes, por sua vez, distribuíam os lotes para os seus apaniguados, que os fatiavam entre seus parentes e amigos, e assim por diante. Sempre formando uma rede de cumplicidade e compadrismo, que nunca visou o progresso do país nem o bem estar do povo, mas apenas a manutenção do poder e o acúmulo de riquezas. Quem tiver alguma dúvida sobre isso leia os poemas de Gregório Matos Guerra e os Sermões do Padre Viera, que já denunciavam esse esquema nos tempos da colônia.
Por isso causa-me estranheza a revolta que os meios de comunicação e alguns setores do serviço público têm alardeado em relação às intervenções do presidente Bolsonaro para nomeação de aliados seus para cargos, especialmente dentro da Receita Federal e da Polícia Federal. Ele só está fazendo o que todos os outros presidentes fizeram. A diferença é que ele não o faz de forma discreta e sub repticia, como fizeram seus antecessores. Vale dizer também que o PT ocupou toda a máquina pública com aliados e simpatizantes. Muitos deles contribuintes do Partido, que pagaram suas nomeações saquendo os cofres públicos . Boa dose da revolta que o presidente Bolsonaro vem enfrentando nesse caso vem do fato de que ele está substituindo as “peças” petistas por aliados seus. E isso, é claro, incomoda quem está perdendo a "boquinha". Como diziam o portugueses, “está tudo como dantes no Quartel de Abrantes.” E não existe pecado no lado de baixo do Equador.