A prisão de Julian Assange

A prisão de Julian Assange mostra os dilemas do jornalismo em tempos de internet. Por um lado, a liberdade de imprensa e o interesse público devem guiar matérias jornalísticas de forma a denunciar abusos e crimes cometidos. Por outro lado, há o sigilo de documentos confidenciais do governo. A segurança nacional é sempre invocada nestes casos, por causa de operações em andamento e a possível identificação de agentes.

O filme Underground: A História de Julian Assange (Austrália, 2012, 88 minutos) retratou o início da carreira de Julian Assange, na Austrália, e como ele invadiu sistemas de computador nos Estados Unidos. O filme O Quinto Poder (Estados Unidos, 2013, 128 minutos) mostrou a trajetória dele com a divulgação de documentos pelo WikiLeaks até pedir asilo, na embaixada do Equador, em Londres.

Em novembro de 2010, o australiano tornou-se o inimigo público número 1 dos Estados Unidos, quando publicou junto de cinco jornais (The New York Times, The Guardian, Der Spiegel, Le Monde, El País) mais de 250 mil documentos secretos da diplomacia americana, o chamado “cablegate”. WikiLeaks é uma ONG, fundada em 2006 por Julian Assange, que permite a publicação online de documentos secretos sem identificar autoria do vazamento público.

O “cablegate” ocorreu com a participação da militar americana transgênero Chelsea Manning que enviou mais de 700 mil documentos confidenciais. Em agosto de 2013, ela foi condenada a 35 anos de prisão por uma corte marcial. Depois de sete anos presa, ela foi colocada em liberdade, após o então presidente Barack Obama comutar a pena. Entretanto, em março de 2019, Manning voltou a ser presa quando se negou a testemunhar em investigação sobre o WikiLeaks.

O WikiLeaks é um movimento global contra segredos de governos. De um lado, a liberdade de imprensa e o acesso à informação. Do outro lado, o sigilo e a confidencialidade de documentos por parte de governos. O tema foi amplamente debatido no famoso caso dos Papéis do Pentágono, em 1971. Documento ultrassecreto de 14 mil páginas do governo dos Estados Unidos sobre a história do planejamento interno e da política nacional norte-americana sobre a Guerra do Vietnã. Documento dividido em 47 volumes contando o envolvimento militar norte-americano no Vietnã entre 1945 e 1967.

O presidente Richard Nixon e o governo norte-americano tentaram barrar matérias de dois jornais: The New York Times e The Washington Post. Este último jornal obteve acesso integral aos 47 volumes e seguia publicando reportagens. A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, por 6 a 3, que as reportagens poderiam ser publicadas. Portanto, o interesse público se sobrepõe ao sigilo e à confidencialidade de documentos do governo.

Durante as eleições de 2016, o WikiLeaks divulgou mais de 30 mil e-mails da ex-secretária de Estado Hillary Clinton, que usou não apenas a conta do governo, entre 2009 e 2013, mas também seu e-mail pessoal. A revelação foi investigada, mas arquivada pelo FBI. Considerou-se que ela foi descuidada, colocando informações oficiais potencialmente em risco ao não usar o e-mail criptografado. A conta de e-mail de seu chefe de campanha também foi hackeada. Embaraçosas informações foram publicadas. A investigação do envolvimento da Rússia ainda está em curso com a divulgação do relatório de Robert Mueller.

A controvérsia atual, em torno da prisão de Julian Assange, decorre do uso da internet para divulgação pública de documentos e não apenas de reportagens jornalísticas. Portanto, difere substancialmente em relação ao caso dos Papéis do Pentágono. Estes foram copiados por um funcionário do Pentágono e confiados a jornais que preservaram a fonte e os documentos. A jurisprudência existente não pode ser aplicada porque houve divulgação de documentos sigilosos pela internet.

A ficção já abordou o tema da pessoa presa por divulgar documentos de governo. Na série australiana Secret City (duas temporadas, cada uma com seis episódios), a personagem principal enfrenta este dilema kantiano do imperativo categórico (dever de agir conforme princípios os quais considera benéficos caso fossem seguidos por todos), ao revelar a verdade e tornar tudo público, mesmo sabendo que corria o risco de ser presa e cumprir pena (spoiler do fim da primeira temporada). A situação de Julian Assange passa o tema filosófico da ficção para a realidade.

Luiz Roberto da Costa Júnior
Enviado por Luiz Roberto da Costa Júnior em 11/07/2019
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