Campo de Concentração, hoje?
Poucas pessoas conhecem a origem dos campos de concentração e quem denunciou tudo, pela primeira vez, ao mundo. O Império Britânico entrara em conflito armado com duas nações Bôer, a República Sul-Africana e o Estado Livre de Orange, sobre o domínio da África do Sul. A Segunda Guerra dos Bôeres (1899-1902) era consequência direta da Primeira Guerra dos Bôeres (1880-1881), que tinha durado pouco mais de três meses. Neste segundo conflito, que durou dois anos e meio, os bôeres iniciaram violenta guerrilha. Os britânicos queimaram fazendas e plantações, envenenaram a água, destruíram casas e enviaram milhares de pessoas para campos de concentração.
A enfermeira britânica Emily Hobhouse (1860-1926) era delegada do Fundo de Socorro de Crianças e Mulheres da África do Sul. Em 1901, ela visitou alguns campos de concentração. Hobhouse empreendeu campanha ativa de denúncia das condições dos campos de concentração, em que mulheres e crianças morriam de fome e por causa de doenças simples. As fotos causaram enorme choque, mas controvérsia na Grã-Bretanha por causa da crítica ao esforço de guerra. Seu relatório de 15 páginas provocou uma série de recomendações por parte do governo britânico, tais como a melhora da dieta e de equipamentos médicos. Apenas um carregamento de suprimento foi encaminhado para um campo de concentração. Entretanto, Hobhouse foi impedida de desembarcar de volta na África do Sul. Após ser repatriada para a Inglaterra, ela mudou-se para a França, onde escreveu o livro “O impacto da guerra” sobre sua experiência sul-africana.
Poucas pessoas lembram da origem dos campos de concentração no Brasil e quem mencionou o assunto pela primeira vez na literatura brasileira. Os campos de concentração no Ceará (mais conhecidos como currais do governo) foram locais para onde foram levados os flagelados das secas de 1915 e 1932. A escritora Rachel de Queiroz (1910-2003) retratou a seca de 1915 no romance O Quinze, publicado em 1930. O primeiro campo de concentração foi no Alagadiço, perto de Fortaleza. Cerca de 8 mil pessoas ficaram sob vigilância de soldados. O temor era a invasão e saques na capital, como os ocorridos na Grande Seca (1877-1879). Em 1932, seis campos de concentração foram estabelecidos no interior do estado e, portanto, bem longe da capital. Quase 74 mil pessoas ficaram isoladas e milhares morreram de fome e por causa de doenças.
Os campos de concentração estão sempre associados na memória coletiva à Segunda Guerra Mundial. Adolf Hitler assumiu como chanceler em 30 de janeiro de 1933. O Reichstag (parlamento alemão em Berlim) foi incendiado em 27 de fevereiro. Em março, o combatente jornal Münchener Post foi invadido e destruído. Neste mesmo mês, o campo de concentração de Dachau recebia os primeiros prisioneiros políticos: comunistas, social-democratas, sindicalistas e adversários políticos do regime nazista. A imprensa ocidental não reconheceu o perigo iminente e nem houve grandes repercussões. Outros países também tiveram campos de concentração, como foram os casos de Espanha, França, Itália e Japão. As circunstâncias da guerra também levaram à criação de campos de concentração para alemães e japoneses, nos Estados Unidos e no Brasil.
Caso de grande impacto mundial ocorreu na União Soviética que, entre 1923 e 1961, manteve sistema de campos de trabalho forçado denominado gulag. Em tais lugares, havia tanto criminosos comuns como dissidentes políticos, religiosos e estrangeiros. O escritor Alexander Soljenítsin (1918-2008) foi prisioneiro durante vários anos. Seu livro O Arquipélago Gulag tornou-se o mais importante relato de denúncias sobre os tempos de Josef Stalin (1878-1953).
O tema campo de concentração continua muito atual, em pleno século 21. A China estabeleceu “campos de reeducação” para milhares de muçulmanos uigures em Xinjiang. A legalização de campos para “reeducar” muçulmanos tem como objetivo promover doutrinação e lavagem cerebral. O programa de internamento visa mudar o pensamento político e apagar as crenças islâmicas e moldar a própria identidade. Recentes imagens de satélites foram analisadas e estas indicam que três “campos de reeducação” estão em construção no Tibete. Há risco iminente de prisão em massa de tibetanos budistas. A indagação do título do artigo é, portanto, um alerta diante do aparente esquecimento sobre o assunto.