CRÍTIAS OU DE ATLÂNTIDA - Tradução de Platão

Tradução de trechos de “PLATÓN. Obras Completas (trad. espanhola do grego por Patricio de Azcárate, 1875), Ed. Epicureum (digital)”.

Além da tradução ao Português, providenciei notas de rodapé, numeradas, onde achei que devia tentar esclarecer alguns pontos polêmicos ou obscuros demais quando se tratar de leitor não-familiarizado com a obra platônica. Quando a nota for de Azcárate, haverá um (*) antecedendo as aspas.

(*) “O preâmbulo, do qual nenhum diálogo de Platão carece, inexiste em Crítias. Seria porque trata-se de um manuscrito inacabado? Ou seria porque não é outra coisa senão a continuação da conversa dos mesmos interlocutores do Timeu, sem intervalo de tempo narrativo?”

“O estudo e a história das coisas antigas se introduziram pelo ócio das cidades, quando certo número de concidadãos, tendo as coisas necessárias para a vida asseguradas, não tiveram depois de preocupar-se com sua subsistência. E eis como os nomes dos antigos heróis se conservaram sem a lembrança de suas ações.”

“Nessa época as mulheres guerreavam junto com os homens, e por isso é que Atena era representada nas imagens e estátuas de armadura; era como uma advertência, a indicar que desde o momento em que o varão e a fêmea estão destinados a viver juntos devem também, de acordo com a natureza, exercer indistintamente todos os trabalhos da espécie.”

“A Ática está de certa forma desanexada do continente, parecendo-se um promontório, muito mais em conexão com o mar. Fica como uma vasilha envolta por um mar bastante profundo. Em meio às numerosas e terríveis inundações que tiveram lugar durante 9 mil anos, porque 9 mil anos se passaram desde aquela época, as terras, que as revoluções faziam deslizar das maiores alturas, não se amontoavam no solo, como nos demais países, mas, escorrendo pelo litoral, acabavam por perder-se nas profundezas do mar. Assim, como sucede nas ilhas pouco extensas, nosso país, comparado com o que era então, parece-se agora com um corpo exaurido pela enfermidade. A terra com vegetação foi toda para o fundo do mar e ficou apenas um corpo esfolado e estéril.”

“As chuvas enviadas por Zeus a cada ano não se perdiam inutilmente, como hoje; pelo contrário, a terra, retendo as águas abundantes, as conservava em seu seio, as tinha em reserva entre camadas de argila; deixava-as correr das planícies aos vales, e por toda parte viam-se milhares de fontes, rios e canais. Os monumentos sagrados, que naquela época estavam todos perto dos leitos dos rios, atestam a veracidade de minhas palavras.”

“a Acrópole estava muito distante de ter o aspecto atual. Numa só noite torrentes de chuva arrastaram a vegetação deste sítio e desnudaram-no e despojaram-no, em meio a tremores de terra e à inundação repleta, a terceira antes do dilúvio de Deucalião.”

“O filho mais velho, o rei, de quem a ilha e este mar, chamado Atlântico, tomaram seu nome, tendo sido o primeiro a ali reinar, era chamado Átlas.”

“Tal era a imensidão de riquezas que possuíam que nenhuma família real jamais possuiu nem possuirá volume semelhante.” “Cobriram de bronze, como verniz, o muro do cerco exterior em toda sua extensão; de estanho o segundo recinto; e a Acrópole em si de oricalco,¹ que reluzia como fogo.”

¹ Metal precioso fictício, invenção grega.

“Duas fontes, uma quente e outra fria, abundantes e inesgotáveis, graças à suavidade e à virtude de suas águas, satisfaziam admiravelmente todas as necessidades”

“Notai que a terra dava duas colheitas por ano, porque era regada no inverno pelas chuvas de Zeus, e no verão era fecundada pela água dos estanques.”

“Quanto ao governo geral e às relações dos reis entre eles, as ordens de Poseidon eram sua regra. Estas ordens lhes foram transmitidas pela lei soberana; os primeiros reis as gravaram numa coluna de oricalco, levantada no centro da ilha no templo de Poseidon.” “Além das leis, estava inscrito nesta coluna um juramento terrível, e imprecações contra aquele que as violasse. Verificado o sacrifício e consagrados os membros do touro segundo as leis, os reis derramavam gota a gota o sangue das vítimas numa taça, atiravam os demais restos no fogo e purificavam a coluna. Retirando em seguida o sangue da taça com um copo d’ouro, e derrubando parte de seu conteúdo nas chamas, juravam julgar segundo as leis escritas na coluna, castigar a quem as houvesse infringido, fazer observar as mesmas leis dali em diante com todo seu poder, e não governar eles mesmos nem obedecer ao que governasse em desconformidade com as leis de seus pais.”

“Aqueles que sabem penetrar nas coisas compreenderam que se haviam feito maus e perdido os mais preciosos de todos os bens; e os que não eram capazes de ver o que constitui verdadeiramente a vida ditosa creram que haviam atingido o auge da virtude e da felicidade, justo quando se encontravam dominados por uma paixão frenética, a de aumentar suas riquezas e seu poder.”