Donald Trump voltou a atacar o México por causa dos imigrantes que entram nos EU através de suas fronteiras. Agora quer impor taxas sobre a importação dos produtos mexicanos. É coisa de nacionalista xenófobo que só se importa com o que acontece no seu próprio quintal. Esse tipo de gente, quando a casa deles pega fogo, põe logo a culpa no vizinho, sem ao menos imaginar que quem tocou fogo na sua casa foram eles mesmos ao ignorar que as fragilidades do vizinho não ameaçam somente á ele, mas ao bairro todo, e principalmente a quem faz fronteira com ele. Isso vale também para o conserto geral das nações, onde pobres e ricos convivem lado a lado, um olhando para o quintal do outro. O rico, constrangido e temeroso por viver ao lado de um pobre, e o pobre, invejoso e não raras vezes, cheio de ódio por não poder desfrutar de uma vida igual à do seu vizinho.
A pergunta que se faz é: ao invés da eterna exploração praticada pelos países desenvolvidos contra os subdesenvolvidos, não seria mais simples e barato se as primeiras ajudassem as segundas a se desenvolver, para que elas pudessem alcançar um nível econômico e uma qualidade de vida que estimulasse seus naturais a permanecer nos seus quintais ao invés de querer pular a cerca? Talvez custasse menos e fosse mais simples do que as dispendiosas, cruéis e ineficientes medidas de controle e repressão que os países desenvolvidos têm tomado para impedir a invasão dos imigrantes aos seus territórios. O problema é que a grande maioria dos países desenvolvidos é constituída de antigas potências coloniais, cujo DNA hospeda, ainda hoje, o vírus que exige a submissão dos seus vizinhos mais fracos. O vírus de Humanitas, no dizer do bizarro personagem de Machado de Assis. Para essas nações, os países menos desenvolvidos são vistos apenas como um cativo mercado consumidor de seus produtos industrializados e fornecedor de mão de obra barata. São territórios e populações onde as vantagens comparativas da sua superior tecnologia faz hoje o papel que as forças armadas fazia na antiguidade romana e na época da colonização do novo mundo. Essa é uma forma moderna de servidão, mascarada pela subserviência cultural e tecnológica, um novo tipo de colonialismo que talvez seja até mais pernicioso que os modelos anteriores, por que contra este é mais difícil de lutar, já que nunca se sabe direito contra o que se está lutando, nem se a luta é justa. As nações desenvolvidas vivem escrevendo, continuamente, a história universal da infâmia, com episódios como o que estamos vendo agora na Europa e nos EU, onde a xenofobia trumpista contamina boa parte dos americanos.
Talvez os líderes das potências ocidentais pensem que estão hoje mais protegidas do que a Roma antiga estava nos séculos III e IV quando os povos da periferia do império começaram a se movimentar em direção ao coração do estado romano, fugindo exatamente do confronto com as populações mais pobres do mundo que eles chamavam de bárbaros. Bárbaro, naqueles tempos, era o que chamaríamos hoje de subdesenvolvido. Todos sabemos o que aconteceu ao poderoso império romano. Não há nacionalismo chauvinista, nem solução de força que consiga defender um território quando ele é invadido por hordas famintas e desesperadas para encontrar um lugar para viver. Contra uma invasão armada é mais fácil resistir. Contra a fome e o desejo de sobreviver, a luta é sempre mais difícil, porque o adversário não tem nada a perder. E quem não tem nada a perder só vai poder ganhar.
Humanitas, a imoral e aética divindade de Quincas Borba, que abençoava a supremacia do mais forte e via nela a forma mais perfeita da seleção natural, não salvou Roma da tragédia, nem outros grandes impérios que procuraram se garantir praticando a autofagia da própria espécie. Nesse sentido seria bom que as autoridades dos países desenvolvidos se lembrassem disso. Como disse John Steinbeck em seu clássico romance Vinhas da Ira, os ricos são poucos. Eles morrem. Mas o povo vive para sempre.