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Cada parede era pichada. Símbolos comunistas, ditos lacradores, ameaças a homens, a brancos, a heterossexuais, a cristãos, qualquer coisa sobre ânus, pênis e vaginas, citações do Racionais MC´s, do Foucault, ou do Caetano Veloso, rabiscos ilegíveis, poesias pós-modernas autorais, pinturas rupestres etc. Cada milímetro era preenchido com alguma dessas coisas, tudo adornado com letras de pichadores profissionais, técnica comprada da periferia, embora nunca ninguém ali jamais tenha colocado os pés numa favela.

Importante: tudo isso era envolvido por uma batucada semelhante à de hostes bárbaras se preparando para a guerra.

O quadro era composto por centenas de figuras andróginas reunidas em rodas de conversa, sentados no chão, com perninha de índio e semblante de quem come cannabis no dejejum. Mulheres com barba, homens com batom, todos ou com roupa de ciganos, de budistas praticantes, ou com camiseta de genocida – no geral, uma mistura dos três. O esforço ali era parecer anormal, fora do sistema, quebrador de regras, transgressor. No fim, eram todos irretocavelmente iguais.

Esses eram os veteranos, a referência aos recém-chegados, jovens ansiosos para se integrarem nesse novo mundo libertador – onde todo mundo é forçado a vender a personalidade em troca da camaradagem vacilante de completos desconhecidos.

Recordo que nesse primeiro dia, enquanto esperava na fila para acertar detalhes da matrícula, um rapaz pardo, acima do peso, de quase dois metros, trajando saia e maquiado como uma drag percorreu de calouro em calouro convidando-nos para uma roda de conversa inaugural com os veteranos. Evidentemente, agradeci o convite e não fui.

Nesse meio tempo pude ver a transformação do aluno esperançoso em militante raivoso e histérico. Ninguém escapa. Aquilo é uma máquina de fabricar esse tipo de gente.

Os professores – todos comunistas militantes, literalmente.

Daí teve uma greve e ficamos cerca de dois meses sem aula.

Vi tudo que é tipo de loucura: vi todas meninas aparecendo com os cabelos raspados como sinal de que tinham feito a iniciação na seita feminista; vi professores incitando protestos na maior tranquilidade; vi bloqueios de salas; vi assembleias do DCE em que todas as decisões eram unânimes; vi alunos quarentões, moradores do CRUSP, anunciando com megafone um novo ato, um novo inimigo, uma nova causa; vi os professores dizendo as coisas mais extremistas com o assentimento mecânico de todos os alunos; vi puxação de saco de aspirantes a acadêmicos; vi o livre mercado de drogas; vi pouquíssimos estudantes sérios. (FG)

Gary Burton
Enviado por Gary Burton em 05/05/2019
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