DIA INTERNACIONAL DO TRABALHO
Há dias que a gente acorda assim, com uma estranha vontade de trabalhar, mas depois que se levanta, escova os dentes e prepara a marmita do meio-dia, as telenotícias matutinas nos informam que é o Dia do Trabalho e, portanto, ninguém deve trabalhar.
Pernas pro ar que ninguém é de ferro.
Chicago, sempre Chicago, e suas manifestações históricas dando exemplo de luta proletária ao mundo. No entanto a propaganda comunista dizia que isso era coisa do marxismo-leninista militante e praticante, e que Chicago era apenas um viés na história. As mulheres proletárias chicaguenses nos legaram o dia internacional da mulher no dia oito de março; a massa proletária de Chicago nos proporcionou um feriado a mais no calendário. Falta agora se celebrar “O Dia do Mafioso”, vez que a máfia italiana não teria progredido se não houvesse Chicago. E os políticos. Quando o então deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva disse que havia trezentos picaretas no Congresso Nacional, ele quis dizer exatamente “trezentos mafiosos”. Não que os outros que ficaram de fora fossem bonzinhos, corretos, honestos. É que o deputado Lula não sabia que havia mais duzentos e dois deputados gastando os créditos aéreos com a família e amantes.
As mulheres tecelãs de Chicago foram queimadas vivas porque se sentiam injustiçadas por trabalharem dezesseis horas diárias, cuidar da casa, da cozinha, dos filhos, do marido, do amante e ganharem menos que os homens. Por sua vez, os homens proletários de Chicago se uniram em manifestação gigantesca de protesto e reivindicações no dia primeiro de maio de 1886 e foram reprimidos violentamente pela polícia americana, a mais treinada em matar trabalhadores naquela época, cuja ferocidade serviu de exemplo à polícia brasileira na atualidade. Nos dias de greve que se seguiram, os ânimos se acirraram e o confronto resultou em sete policiais e doze trabalhadores mortos, segundo as informações oficiais da época.
A “Segunda Internacional Comunista”, reunida em Paris três anos depois, deliberou, votou e aprovou o dia primeiro de maio como o dia internacional do trabalhador, em homenagem à primeira grande manifestação sindical da história. Nesse dia os trabalhadores do mundo todo, pelegos ou não, deveriam se reunir em manifestações reivindicatórias, principalmente pelas oito horas de trabalho. Devo ressaltar que a jornada normal era de treze horas diárias e que o vale-transporte e a licença-maternidade são bandeiras de agora.
É um equívoco se pensar que a Lei Áurea tivera influência da manifestação de Chicago. Essa “abolição” negra só aconteceu porque os fazendeiros estavam quebrados e não tinham como sustentar os escravos e as amantes simultaneamente. Mas isso já é outra história para ser contada no dia 13 por quem estiver interessado.
Não pensem os senhores ou as senhoras que o primeiro de maio é vermelho nas folhinhas do mundo todo ou que o proletariado internacional se reúne unicamente nesse dia. Há países que nem sabem que esse dia existe; outros, sabem, mas ignoram. No Brasil, apesar de se comemorar desde 1895, somente em 1925 é que se tornou oficial pelo decreto presidencial de Artur Bernardes. O feriado veio com o trabalhismo de Getúlio Vargas, que transformou os protestos em festas articuladas, bem acolhidas pela Força Sindical paulista, braço direito do PTB.
Na Bahia de ACM era proibido se falar em dia de trabalhador. Ele alegava ironicamente que o baiano passava o ano todo sem fazer nada e justamente no dia do trabalho ele queria descansar. Talvez tivesse razão, mas estava vermelho na folhinha, então era feriado nacional, com direito a praia e ao caldo de lambreta no Mercado Modelo. O principal lema do baiano é: não faça hoje o que pode ser feito amanhã. Isso é sagrado. À época também havia outro argumento sindical em forma panfletária, cuja autoria se credita a Dorival Caymmi: “Se tiver vontade de trabalhar, se deite na rede e espere a vontade passar”. Mas ACM queria quebrar essa regra, unilateralmente, e para isso mandava seus cães e cassetetes reprimir as manifestações à base de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Seria mais fácil e menos dolorido se ele mandasse apenas desligar os geradores dos trios elétricos.
Nessa época eu era ativista sindical e em um desses primeiro de maio estava acompanhado do japonês Hiroito, engenheiro estagiário no Pólo Petroquímico de Camaçari que queria conhecer o poder de mobilização dos sindicatos baianos. Depois do entra-em-beco-sai-em-beco correndo dos cães policiais, ele falou ofegante, mais pela fumaça na garganta do que pela carreira:
– Xicago!
– Não, japa! Chicago não. Aqui é Salvador, capital da Bahia, esqueceu?
– Xei qué Xalvador. Querro dixer que xicago. Agorra non! Agorra xicaguei!