UMA RAJADA DE BALAS E UMA FACADA ELEGERAM UM ASSASSINO PRESIDENTE

A execução de Marielle foi um crime quase perfeito. Nessa época de milhares de câmeras espalhadas por aí, só mesmo um dedo-duro para indicar à polícia os autores do crime. E essa delação, como disse o delegado que prendeu os assassinos, entregou o nome deles o que permitiu o levantamento de provas, através de um trabalho minucioso de investigação. Que o tal delegado não pôde deixar de cumprir, porque estava pressionado pela opinião pública nacional e internacional e pela polícia federal. Já tentara, esse mesmo delegado, dar uma pista falsa à imprensa, pressionando presos que tinham ligações com grilagem e milícias, mas que nada tinham contra a vereadora, cuja atuação não os atingia. Foi só uma ópera bufa, para distrair as atenções, não deu certo. Agora, porém, ele sabe: sabe que os assassinos têm fortes ligações com uma “família poderosa de políticos do Rio de Janeiro”, mas tem que se calar sobre que família é essa.

Mas, por que morreu Marielle?

Os fatos são lógicos: ela seria candidata ao senado, concorrendo com o filhinho da tal “família poderosa”. E poderia incomodar muito o tal filhinho, cuja intenção também era o senado (e ele foi eleito!). Marielle não era um nome conhecido nacionalmente, mas tinha o respeito de muita gente no Rio, pelo seu trabalho, pela sua seriedade, pela sua inteligência. Era uma liderança que se firmava. Basta ver que seus votos eram difusos, por toda a cidade, em todas as classes sociais, o que indicava um processo de construção de uma possível candidata muito forte ao senado. Então, era preciso livrar-se dela. Teve a “família poderosa de políticos” o motivo e os meios: eliminar a concorrência e um vizinho assassino profissional, quase um familiar, com histórico de ocorrências exitosas e com um igual ideário político de direita. Que agiu com o máximo de profissionalismo. E como profissional, deve ter sido muito bem pago, apesar da ideologia. Que só foi preso porque houve uma delação e, a partir do nome dos suspeitos, a polícia pôde rastrear tudo o que fizeram para planejar e executar o crime.

O senado estava garantido. Era necessário garantir a presidência.

Então, a facada. Que tirou o candidato das ruas e jogou-o na mídia, sem precisar fazer mais nada, sem precisar fazer campanha, sem precisar comparecer a qualquer debate. Um golpe de mestre perpetrado por um idiota contratado que trocaria uns dois anos de prisão por um resto de vida confortável e sem problemas. Uma facada ocorrida no meio de 30 a 40 seguranças, no meio de uma multidão, quando o candidato, que sempre usava colete a prova de balas, não o estava usando naquele momento. Uma facada sem sangue. Dada por um individuo que, se quisesse realmente matar o candidato, usaria sem dúvida uma arma de fogo, fácil de ser adquirida e com chances muito mais claras de êxito. Bem, já escrevi muito sobre os furos do tal atentado e suas incoerências, para repeti-las aqui.

Dois atentados. O primeiro, realizado por assassinos frios, com meses de preparação, com resultado exitoso. A morte de uma mulher que poderia incomodar um futuro candidato. Uma mulher cuja morte, naquele momento, com certeza na cabeça dos mandantes, não iria provocar mais do que uma investigação sem resultado. O que não esperavam: a repercussão de sua morte. Menosprezaram o fato de que ela havia, embora de forma incipiente, reunido em torno de si muitas simpatias. E isso fez toda a diferença para a repercussão como crime político de alcance internacional. O segundo, falseado e falsificado, para dar ao candidato a possibilidade de fuga ao debate, em que sua incapacidade intelectual ficaria clara, sua “tosquice” militar saltaria aos olhos de todos e o “mito” gritado por seus fanáticos seguidores se esvairia em deboche e, quase com certeza, numa grande derrota eleitoral.

Tudo isso dentro de um cenário político de grandes incertezas e de grande polarização, preparado com muito cuidado pela direita desde a instalação da operação lava jato, pela tal “república de Curitiba”, tendo à frente um juiz venial e disposto a levar adiante um projeto que devolvesse à direita o poder, na visão deles, “usurpado” pelo Partido dos Trabalhadores. É claro que o juizeco, àquela altura, não tivesse qualquer ligação com a “família poderosa de políticos do Rio de Janeiro”, e sim com a alta cúpula de partidos de direita (PSDB et caterva) e de grandes capitalistas (bancos, indústria, agronegócio etc.). Sua formação ou deformação ocorrida nas universidades dos Estados Unidos, voltada para novos princípios jurídicos que contrariam toda a nossa tradição de jurisprudência, permitiu que ele condenasse sem provas o líder maior da esquerda, aquele que seria a pedra no sapato do golpe. E o golpe veio. E vieram as manifestações. E vieram os apoios da mídia. E vieram as fake news. E, no embrulho, a “família poderosa de políticos do Rio de Janeiro”, a quem o juizeco passou a servir como um cão atrelado pela coleira a comer na mão do dono, agora como ministro de um governo eleito através de mentiras, de golpes, de assassinatos.

A conclusão parece óbvia: o governo brasileiro está nas mãos não só de um incompetente e tresloucado presidente, que não sabe se o que disse de manhã é verdade à tarde, mas nas mãos de um possível e provável assassino.

13.3.2019

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