Mulher Laranja
Sempre achei um desrespeito apelidar mulheres com nome de frutas em razão de sua anatomia. Agora apareceu a ”mulher laranja” como uma figura usada pela política machista como forma de desviar recursos do fundo partidário. O critério de cotas para corrigir distorções sociais se apresenta, às vezes, como o contrário do que se pretende. Assim ocorreu com a Lei 9.504/97, que no seu artigo 10º, garante um mínimo de 30% de candidaturas femininas, com o aporte, também, de 30% do Fundo Partidário. Os partidos políticos aproveitam o dispositivo, aparentemente inovador, para desviar recursos partidários para os candidatos homens. Inscrevem mulheres sem base política, destinam recursos para elas e as obrigam a pagar despesas eleitorais para os dirigentes dos partidos. Esta modalidade fraudulenta já acontece desde a edição da Lei.
A denúncia de uma candidata laranja em Pernambuco é apenas um sintoma do que já acontece em todo o Brasil. A candidatura de Maria de Lourdes Paixão, que recebeu R$400 mil em 2018 e teve 274 votos para deputada federal, teria gasto mais do que o Presidente Bolsonaro e do que a deputada Joice Hasselmann, que teve mais de um milhão de votos. Justificando o comportamento dos partidos, Luciano Bivar, do PSL disse que “política não é muito da mulher”. Mas deveria ser, como é em muitos países. Só para exemplificar: na Bolívia 53% do Parlamento são formados por mulheres. O processo de apuração de fraudes é complexo, mas alguns sintomas garantem que boa parte dos recursos, destinados às campanhas femininas, acabaram pagando campanhas dos candidatos masculinos. Já sabemos da malandragem dos caciques, que inscrevem 30% de mulheres candidatas para eleger, no máximo, uma.
Os exemplos de hipocrisia, associada à desonestidade, são inúmeros. Em 2016, na eleição municipal de Belo Horizonte, muitas mulheres foram inscritas para “cumprir tabela” com o seguinte resultado: 5 tiveram zero de votos, 6 tiveram apenas um voto, 5 tiveram 2 votos e outras 15 tiveram menos e 10 votos. As quatro que foram eleitas se inscreveram por terem representação na política real, não para atender a um percentual previsto no critério aritmético de cotas. A representação feminina na política deveria ser um processo natural para quem representa 50% da população. Normas impositivas, sem critérios lógicos, derivam, sistematicamente, para a fraude, fortalecendo a cultura machista.
Inscrever mulheres “laranja” apenas para cumprir cota e criar mecanismo de desvio de recurso é um atentado contra a sociedade como um todo e um desrespeito para com as mulheres, que, infelizmente, não participam mais ativamente no cenário político. Estamos carentes de programas de inclusão de mulheres em movimentos sociais, mesmo sem representação partidária.