DA PÓLIS MODELO AO BRASIL DA LAVA-JATO
Que semelhança pode haver entre a Atenas platônica e o Brasil de nossa geração? Vê-se abaixo...
Um povo decadente querela por nada; busca pretextos para escaramuças; não tem tempo para refletir com seriedade sobre os riscos que assume para si próprio ao se lançar no que julgaria, de cabeça fria, as empresas mais temerárias. É inevitável que quão mais corrompida se vê uma democracia, mais viciados se mostrarão seus representantes. Quando subsistia ainda um naco do espírito democrático, de cidadania, no povo, este se guardava até de punir os demagogos e autoritários, por mais que fosse por mero acanhamento ou impotência, se não era por falta de desejos destrutivos e pelo cultivo da clemência; certo é que vislumbravam-se esperanças a partir do estado de coisas que o povo vivenciava, e confiava-se na boa intenção dos melhores que existiam para exercer a política. Uma vez que a decadência já era acentuada, após algum intervalo de tempo, nem mesmo o mais honrado político poderia se julgar a salvo do público, tornado voraz. Ao contrário, talvez fosse mais fácil prosperar, na nova pólis, sendo verdadeiramente mau.
Pense-se então no Brasil: Quem foi punido, e por que acusações, e quem deixou de sê-lo, nos últimos anos? Como se deu essa transição, tão rápida, entre dois estados (o de um povo conformado que se torna um povo sublevado)? A explicação está na fórmula: Quando o povo não quer mais, no íntimo, seguir sua Lei, cumpri-la apenas acelera a própria destruição da mesma Lei. A Constituição de 1988 jamais foi tão frágil quanto quando esteve mais próxima de ser cumprida em seus enunciados fundamentais. Enquanto não passava de um papel, paradoxalmente, havia um interesse popular pela sua aplicação no mundo real, e paciência na espera, embora a população fosse relativamente impotente. A corrupção nos altos escalões era encoberta. O Estado marchava lento e claudicante, conquanto marchasse em linha reta. Quando as circunstâncias se mostraram finalmente favoráveis, as instituições melhoraram, o povo se viu contemplado em suas demandas mais básicas, a máquina pública perdera a hesitação. Em poucos anos, a maior divulgação de casos de corrupção inverteu toda a ordem imediatamente anterior: uma cruzada contra a corrupção, apoiada por uma população dia a dia mais indignada, promoveu ao poder a própria corrupção e trancafiou seus inimigos. A exigência popular tornou-se: Caia a Lei antiga! Não só consideraram-se poucas e insuficientes as conquistas anteriores, como demandas outrora secundárias foram elevadas à prioridade da nação. As próprias conquistas anteriores, o atendimento de demandas básicas previstas na “Lei antiga”, passaram a ser malvistas e empreendeu-se sua supressão diuturna, o desmanche sistemático de várias garantias cidadãs. A sanha dos políticos no comando se tornou a sanha dos próprios cidadãos, convertidos em macaqueadores. O descontentamento com a classe política, tão presente há não mais do que duas décadas, tornou-se sua apologia, uma vez que a classe política eleita pelo povo após a mudança de opinião súbita que tomou conta das ruas e dos lares é considerada inédita e comprometida com novos ideais, a exata negação dos odiados políticos antigos. É uma classe anti-política, à qual foi dada a oportunidade de cumprir promessas que iam muito além dos tímidos acenos da velha guarda de políticos que se propunham apenas a conceder aos cidadãos o que ditava o texto de 88. Mal se pode intuir quão cobiçoso era o povo, outrora, de que os parágrafos desta lei do agora longínquo 1988, a sua promulgação, se tornassem realidade. Os velhos de hoje, jovens daqueles anos, e a juventude de hoje, que não os viveram, não podem conceber nada mais contrário aos anseios da moda, uns esquecidos e mudados, outros que não viveram e não procuraram conhecer uma época agora superada: Realidade aquela Lei não devera ser; e, se acaso por alguma infelicidade ela tiver se tornado real, que essa realidade seja, então, destruída e recriada a partir do zero.