AI-5: DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS
O dia de hoje marca o cinquentenário do Ato Institucional nº 5 (AI-5), emitido durante a Ditadura Militar. Na segunda-feira, dia 10, o mundo inteiro comemorou os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU). E essas datas acontecem simultaneamente ao trigésimo aniversário da Constituição Cidadã de 1988. Podemos traçar uma linha relacional entre esses eventos históricos.
A Declaração dos Direitos Humanos ocorreu em 1948, no período imediatamente posterior à hecatombe humana que foi a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945). O mundo estava estarrecido consigo mesmo, procurando caminhos alternativos ao ódio e a violência como forma de resolução dos conflitos de interesses entre os países. A Declaração se insere no contexto dessa busca de uma humanidade centrada na paz e no respeito às pessoas. Em relação a ela, o AI-5 foi um retrocesso ocorrido em nosso país.
No quarto ano após o golpe de estado que derrubou o presidente eleito João Goulart em maio de 1964, o governo militar presidido pelo general Costa e Silva, gaúcho como Goulart (o primeiro de São Borja e o segundo de Taquari), enfrentava uma forte mobilização da sociedade civil. O ano de 1968 foi marcado por uma efervescência político-social em vários países, sendo o Maio Francês a principal delas. No Brasil, um protesto estudantil em março terminou com a morte do estudante secundarista Edson Luís pela polícia. Nas manifestações posteriores a esse episódio, se destaca a Marcha dos Cem Mil, em junho. Acossado, Silva reúne em 13 de dezembro o Conselho de Segurança Nacional, onde o Ato é debatido e aprovado, iniciando o período mais forte de repressão durante a ditadura, ficando conhecido como "o golpe dentro do golpe".
Com o fechamento do Congresso Nacional e os direitos políticos dos cidadãos cassados, a democracia foi solapada em nome da continuidade do regime. Contudo, a maior regressão em relação à Declaração foi a prisão e assassinato de vários dissidentes políticos durante o período de vigência do AI-5. O Brasil passou a andar na contramão dos países democráticos, em desconformidade com os avanços obtidos no pós-guerra.
Após o esgotamento econômico do "milagre brasileiro", os militares resolveram iniciar a abertura politica “lenta, gradual e segura” durante a presidência do general Ernesto Geisel, também gaúcho, de Bento Gonçalves. Assim, foi emitido o Ato Institucional n° 11, que revogava o AI-5. No governo de seu sucessor, João Figueiredo, ocorreram as eleições para governador em 1982 e, em 1985, em votação indireta no Congresso Nacional, Tancredo Neves foi eleito o primeiro presidente civil em 21 anos. Contudo, esse morreu antes de assumir, sendo substituído pelo vice, José Sarney.
No ano seguinte, em 1986, foi eleita uma Assembleia Nacional Constituinte que, em 5 de outubro de 1988, sob a presidência do deputado federal Ulysses Guimarães, promulgou aquela que entrou para ahistória como a Constituição Cidadã. Nela foram consolidados todos os elementos para uma sociedade fundada na democracia civil e sob a égide dos valores que encontramos na Declaração de 1948. Essa retomada, portanto, significou um avanço em relação ao AI-5.
Assim, podemos perceber que tais períodos de avanços e retrocessos se sucedem na história, tomando por base os valores democráticos e de direitos humanos. No Brasil de hoje esse debate foi retomado. Há uma visão estrábica hegemônica em determinados setores sociais que percebem os direitos humanos como algo negativo, “só pra bandido”, e não como valores universais consolidados historicamente no rescaldo das guerras mundiais da primeira metade do século XX. Existe também uma tentativa de relativização histórica do caráter autoritário e violento do regime militar, concomitante a recentes manifestações por uma “intervenção militar já”, antes do período eleitoral (curiosamente, de certa forma, a eleição presidencial desse ano trouxe essas teses ao governo pela visa democrática). Nas eleições, inclusive, o tema relativo a uma nova Assembleia Constituinte surgiu, embora tivesse sido posteriormente rechaçada pelos candidatos que disputaram o segundo turno.
Torçamos para que, ao final, o caminho rumo a uma plena democracia civil e cidadã com base nos direitos humanos se solidifique em nosso país. A data de hoje é um dia propício para refletirmos sobre isso.
Texto publicado no site do jornal portal de noticias: https://www.portaldenoticias.com.br/ler-coluna/813/ai-5-democracia-e-direitos-humanos.html
O dia de hoje marca o cinquentenário do Ato Institucional nº 5 (AI-5), emitido durante a Ditadura Militar. Na segunda-feira, dia 10, o mundo inteiro comemorou os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU). E essas datas acontecem simultaneamente ao trigésimo aniversário da Constituição Cidadã de 1988. Podemos traçar uma linha relacional entre esses eventos históricos.
A Declaração dos Direitos Humanos ocorreu em 1948, no período imediatamente posterior à hecatombe humana que foi a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945). O mundo estava estarrecido consigo mesmo, procurando caminhos alternativos ao ódio e a violência como forma de resolução dos conflitos de interesses entre os países. A Declaração se insere no contexto dessa busca de uma humanidade centrada na paz e no respeito às pessoas. Em relação a ela, o AI-5 foi um retrocesso ocorrido em nosso país.
No quarto ano após o golpe de estado que derrubou o presidente eleito João Goulart em maio de 1964, o governo militar presidido pelo general Costa e Silva, gaúcho como Goulart (o primeiro de São Borja e o segundo de Taquari), enfrentava uma forte mobilização da sociedade civil. O ano de 1968 foi marcado por uma efervescência político-social em vários países, sendo o Maio Francês a principal delas. No Brasil, um protesto estudantil em março terminou com a morte do estudante secundarista Edson Luís pela polícia. Nas manifestações posteriores a esse episódio, se destaca a Marcha dos Cem Mil, em junho. Acossado, Silva reúne em 13 de dezembro o Conselho de Segurança Nacional, onde o Ato é debatido e aprovado, iniciando o período mais forte de repressão durante a ditadura, ficando conhecido como "o golpe dentro do golpe".
Com o fechamento do Congresso Nacional e os direitos políticos dos cidadãos cassados, a democracia foi solapada em nome da continuidade do regime. Contudo, a maior regressão em relação à Declaração foi a prisão e assassinato de vários dissidentes políticos durante o período de vigência do AI-5. O Brasil passou a andar na contramão dos países democráticos, em desconformidade com os avanços obtidos no pós-guerra.
Após o esgotamento econômico do "milagre brasileiro", os militares resolveram iniciar a abertura politica “lenta, gradual e segura” durante a presidência do general Ernesto Geisel, também gaúcho, de Bento Gonçalves. Assim, foi emitido o Ato Institucional n° 11, que revogava o AI-5. No governo de seu sucessor, João Figueiredo, ocorreram as eleições para governador em 1982 e, em 1985, em votação indireta no Congresso Nacional, Tancredo Neves foi eleito o primeiro presidente civil em 21 anos. Contudo, esse morreu antes de assumir, sendo substituído pelo vice, José Sarney.
No ano seguinte, em 1986, foi eleita uma Assembleia Nacional Constituinte que, em 5 de outubro de 1988, sob a presidência do deputado federal Ulysses Guimarães, promulgou aquela que entrou para ahistória como a Constituição Cidadã. Nela foram consolidados todos os elementos para uma sociedade fundada na democracia civil e sob a égide dos valores que encontramos na Declaração de 1948. Essa retomada, portanto, significou um avanço em relação ao AI-5.
Assim, podemos perceber que tais períodos de avanços e retrocessos se sucedem na história, tomando por base os valores democráticos e de direitos humanos. No Brasil de hoje esse debate foi retomado. Há uma visão estrábica hegemônica em determinados setores sociais que percebem os direitos humanos como algo negativo, “só pra bandido”, e não como valores universais consolidados historicamente no rescaldo das guerras mundiais da primeira metade do século XX. Existe também uma tentativa de relativização histórica do caráter autoritário e violento do regime militar, concomitante a recentes manifestações por uma “intervenção militar já”, antes do período eleitoral (curiosamente, de certa forma, a eleição presidencial desse ano trouxe essas teses ao governo pela visa democrática). Nas eleições, inclusive, o tema relativo a uma nova Assembleia Constituinte surgiu, embora tivesse sido posteriormente rechaçada pelos candidatos que disputaram o segundo turno.
Torçamos para que, ao final, o caminho rumo a uma plena democracia civil e cidadã com base nos direitos humanos se solidifique em nosso país. A data de hoje é um dia propício para refletirmos sobre isso.
Texto publicado no site do jornal portal de noticias: https://www.portaldenoticias.com.br/ler-coluna/813/ai-5-democracia-e-direitos-humanos.html